“Verba volant, scripta manent”
Aos jurisdicionados,
No começo era escuridão.
Predominava o caos. Todos possuíam direito a tudo e usavam da força para se fazerem
prevalecer sobre os demais e conquistarem aquilo que desejavam ter para si. Era
a violência de todos contra todos, descrita por Hobbes.
Vieram as convenções sociais,
os costumes e as leis. A sociedade se organizava, as instituições floresciam e,
com a propriedade privada, adveio o progresso econômico. Iniciava-se a ordem e,
por consequência, a paz social. O que antes era a regra – violência – passou a,
progressivamente, ser a exceção.
Essas bases, que nos
conferiram a segurança e estabilidade necessárias para o desenvolvimento social
e econômico, continuam a ser erigidas, tijolo a tijolo, continuamente, por
todos os cidadãos. O rule of law, ou
império da lei, é uma construção coletiva de toda a sociedade e não obra de
alguns poucos agentes da Lei.
Trata-se de produto inacabado
e frágil, que depende, para manter sua integridade, do auxílio de todos, que,
por meio de ações probas, reverência ao ordenamento jurídico e cobrança sobre
os que desatendem normas de conduta, sustentam e respaldam o governo dos homens
pelas leis (e não por outros homens) e rechaçam a arbitrariedade, o jeitinho e
a desonestidade.
Pois bem.
Chega o momento de
encerramento dos meus deveres nesta 20ª Vara Federal da Seção Judiciária de
Pernambuco, que tem jurisdição sobre os municípios de Salgueiro, Belém do São
Francisco, Carnaubeira da Penha, Cabrobó, Cedro, Mirandiba, Orocó, Parnamirim,
Serrita, Terra Nova e Verdejante.
Um período curto, de um ano,
mas muito desafiador, porque, aliás, desafiadores são os problemas e questões
da região. Saio com a certeza de que fiz o que, dentro das minhas limitações, foi
possível e realizável para debelar e solucionar as difíceis questões que me
foram submetidas nesse espaço de tempo e espero ter correspondido às elevadas
expectativas dos cidadãos sertanejos sobres seus agentes públicos. Tentei
responder com rapidez ao que me foi demandado, consoante exige a vida moderna e
demandam os jurisdicionados, mantendo o zelo e serenidade que se exige neste
ofício. Espero ter acertado mais do que errado, se é que esses conceitos se
encaixam nas sutis e nebulosas questões humanas.
Neste ano que passou, em um
esforço conjunto, prolatamos 1.929 sentenças, o triplo desse número de decisões
e o quíntuplo desse número de despachos, além de termos realizado 598
audiências.
Agradeço aos servidores pela
extrema competência e dedicação com que abraçam diariamente sua missão; aos
advogados e procuradores, pela decência e urbanidade no trato com o Poder
Judiciário; e aos policiais federais e aos membros do Ministério Público, pela
seriedade e empenho, sobretudo no combate à impunidade na região. Deixo,
igualmente, meu respeito e consideração pelas autoridades locais e meu abraço
aos amigos que aqui fiz, que me acolheram como se cidadão salgueirense fosse.
Encerro meu período de
jurisdição nesta Subseção Judiciária com o sentimento pesaroso das despedidas,
mas com o alento de que avançamos, neste pequeno e desamparado espaço do
território nacional, mais um singelo e pequeníssimo degrau na construção de uma
sociedade segura, livre e que permita a todos o desenvolvimento de suas
potencialidades.
Como disse, anteriormente,
trata-se de um processo de aprimoramento contínuo que depende, não só de nós,
agentes da Lei, mas, principalmente, das senhoras e dos senhores para que se
possa concretizar.
Deixo, portanto,
discretamente, minhas atividades e me despeço com um ingênuo e singelo pedido:
que o decente povo sertanejo prossiga colaborando para a consolidação da ordem,
segurança e justiça neste torrão e que continue auxiliando o Poder Público no
combate à corrupção e aos desvios de conduta que tanto têm prejudicado nosso
desenvolvimento econômico e social, sobretudo nesta sofrida região. É na
omissão dos bons que os maus prosperam e é na indiferença ou mesmo descaso com
os desvios que estes se multiplicam.
A mudança que a sociedade pede
e espera é cultural e não apenas política. Ela deve ser feita no dia-a-dia, nas
pequenas ações, por todos nós. Precisamos avançar nosso patamar civilizatório. Devemos
nos perguntar o que podemos fazer pelo nosso país e não o que ele pode fazer
por nós. Estamos no caminho certo. Tenho fé no povo sertanejo.
Sigamos unidos.
Cordialmente,
pela última vez,
Juiz Federal FERNANDO XIMENES
Substituto da 20ª Vara Federal