sábado, 6 de julho de 2019

Zenão



Profundamente embebido no estoicismo
Procuro sentido nas meditações aurelianas
Excertos de Epiteto e Sêneca em aforismo
Constróem uma alma de si soberana

Indiferença aos problemas que afligem
Recaia sobre o que não se pode alterar 
Dado que o tempo transforma em fuligem
E cura o que a razão não consegue curar

Serenidade, moderação e equilíbrio...
Assim como a Natureza. Ladrilho por ladrilho.
Compreendo: derivações de uma logos universal

Aurélio abraça o destino como a um filho
Mas reflete, pondera e trabalha em suplício
E vede: sempre altera da história o final!

terça-feira, 2 de julho de 2019

Pompeu


Levou o destino muito cedo
Meu hospitaleiro anfitrião
Sobre a minha alma recai o peso:
Não prestar a final oração.

Repousa sereno em véu e leito
Com a mesma leveza candente
De quem sempre carregou no peito
Do Ceará a mais forte patente

Que é encantar com simplicidade
E ornamentar com amizade
O coração da pessoa querida

Pra deixar em eterna saudade
E em perene intranquilidade
O peito de um aluno de vida!

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Agonia

Processo volumoso, de páginas encardidas. Percorro as folhas dos autos, entre um espirro e outro. Leio-as, uma a uma. Documentos que não conheço e informações técnicas incognoscíveis.
Não compreendo, nem superficialmente.

Volto ao início. Procedo à mesma operação. Repito-a, cuidadosamente, com obstinação. 
Sem avanço, frustro-me e levanto-me, rangendo a cadeira.

Saco da geladeira a garrafa d’água. Ela sua ao meu toque. Sente minha angústia. Compartilha meu pesar. Me conforta. 
Encho um copo do líquido e direciono-o para o bico fluorescente da sala. A luz atravessa a água e atinge minha retina. Fecho os olhos.

Vem a lucidez que me faltava. 

Retorno à escrivaninha. 
Escrevo em caneta: “Designo audiência para a próxima quarta-feira. Compareçam autor e réu”.

No dia marcado, o autor, sem delongas, toma da palavra e diz: “Dr., esqueça o que tá no papel, eu fico satisfeito com isso”. Ato contínuo, diz o réu: “se eu soubesse, já tinha dado”.

Em 2 minutos, aberto o áudio, encerro a questão, oralmente: “havendo composição amigável, cabe ao Estado-Juiz homologar o acordo para que surta os efeitos pretendidos pelas partes, P.R.I”.

Assinando a ata, recordo Leonardo da Vinci, que dizia: “A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação”.

Tesouro

O tempo escorre pelos nossos dedos, como grãos de fina areia numa ampulheta. Ele é restrito e finito, como é tudo que tem altíssimo valor intrínseco.

(...)

Em toda a história, tudo que sempre foi especial e importante o foi possuído por poucos e por pouco tempo. 

As coisas realmente boas são, por essência, limitadas e de acesso restrito.

As riquezas inebriantes, o prazer refinado, a suprema inteligência, a boa música e a beleza impactante são singularíssimas (e excepcionais).

São desvios fora da curva. São pequenos feixes de luz na escuridão do Universo. São barcos à deriva num imenso oceano de mediocridade.

Poucos as têm. Mesmo assim, se as possuem, as detém em pequeníssima quantidade. 

Basta ver que Páris, irmão de Heitor e filho de Príamo, somente possuiu Helena de Tróia por pouquíssimo tempo.

Tudo que é precioso não é e nunca foi abundante. Pelo contrário, sempre foi restrito.

(...)


Assim é a vida. Uma experiência espetacular e acachapante, porém muitíssimo curta. A morte, por outro lado, é caudalosa e exaustivamente longeva. Não tem fim.

Sendo a vida recheada de bons e maus momentos, cabe desfrutar dos primeiros e tirar lições dos últimos. Deve-se extrair tudo dela e sorver até a última gota, pois não se desperdiça o que é sublime.

(...)

Portanto, esqueça a música: não temos todo tempo do mundo.

O filtro da relevância para aborrecimentos sempre deve estar ligado. 

Sem queimação de graxa, olhando para frente.

Para a vida, não há bis. 

domingo, 16 de junho de 2019

Živeli!


Não obstante o cansaço habitual das longas conexões aéreas para chegar em casa, tive uma manhã, episodicamente, agradável hoje ao pegar um vôo.




Em alguns aeroportos na Europa são posicionados pianos em alguns setores para que os transeuntes possam tocar algo que lhes venha à cabeça no momento.




Trata-se de um importante estímulo cultural, que muito me agrada, sobretudo pela escolha do instrumento (piano), que considero belíssimo, no desenho e nos sons que produz, e que é digno de ser mais difundido, dado o seu atual e imerecido desprestígio no mundo musical, que, suponho, deva-se à sua difícil mobilidade e preço inacessível.




(...)




Sucede que, momentos antes do embarque, timidamente, tomou assento ao piano defronte ao portão B19 uma garota muito jovem, aparentemente iniciante musicista.




De cabelos loiros, olhos tímidos e motivada pelos pais com tapinhas nas costas, ela iniciou a executar uma sonata que, na minha ignorância musical, confesso, desconheço.




Seus dedos longos e finos se movimentavam, num ritmo impressionante, golpeando as teclas com a precisão de um neurocirurgião em percuciente ofício.




Buscava ela, não extirpar, do córtex, um canceroso tumor maligno, mas sim sentido e harmonia daquele emaranhado de notas e acordes, abrangente de todo o espectro das frequências audíveis.




A execução da peça deu-se com rigor e precisão rítmica, de maneira profundamente tocante.




As pessoas, absorvidas pelo som, se aproximaram, discretamente, e circundaram, amistosamente, a jovem artista, o que lhe deu o respaldo motivante para que empregasse ainda maior talento nas teclas de madeira maciça.




O resultado foi um momento, aparentemente, banal, simples, mas sublime, como, aliás, são mais suscetíveis de ocorrerem às coisas que acontecem naturalmente, sem preparo ou de improviso, ao oposto das que são fruto de deliberação ou prévio opino.




(...)




No fim, a apatia e timidez européias furtaram um mais vivo aplauso à artista.




Ela levantou-se, com a discrição e serenidade dos que são competentes por hábito - e não por ocasião - e retornou ao seu assento de origem, sem alarde ou histrionismo.




Recebeu um beijo na testa dos pais e sentou-se, tranquilamente, como se nada tivesse acontecido.




Nesse momento, já se fazia o contido silêncio por alguns segundos.




Nada foi dito: porque, para isso, são inúteis as palavras.




Experimentamos, coletivamente, o conjunto de sensações e a fenomenologia que somente a boa música executada pode produzir: a de fazer compreender, com o coração, por melodia, o que não é passível de se transmitir por linguagem falada ou escrita.




Ou, como mais precisamente dito por Schopenhauer, “a música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende”.




É o conjunto de sentimentos que não toca e nunca tocará a alma dos cínicos. É a experiência somente vivida por aquele que à fragilidade se permite. É o deleite da alma por meio dos sentidos. Tem cheiro, sabor e peso. Afeta, abala e agride.




Cura, também.




Chego a concordar com o que disse Shakespeare: “o homem que não tem a música dentro de si e que não se emociona com um concerto de doces acordes é capaz de traições, de conjuras e de rapinas”.








(...)









(Há, claro, os que são capazes de tudo isso e que, também, curtem boa música).

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Farewell


Verba volant, scripta manent

Aos jurisdicionados,

No começo era escuridão. Predominava o caos. Todos possuíam direito a tudo e usavam da força para se fazerem prevalecer sobre os demais e conquistarem aquilo que desejavam ter para si. Era a violência de todos contra todos, descrita por Hobbes.

Vieram as convenções sociais, os costumes e as leis. A sociedade se organizava, as instituições floresciam e, com a propriedade privada, adveio o progresso econômico. Iniciava-se a ordem e, por consequência, a paz social. O que antes era a regra – violência – passou a, progressivamente, ser a exceção.

Essas bases, que nos conferiram a segurança e estabilidade necessárias para o desenvolvimento social e econômico, continuam a ser erigidas, tijolo a tijolo, continuamente, por todos os cidadãos. O rule of law, ou império da lei, é uma construção coletiva de toda a sociedade e não obra de alguns poucos agentes da Lei.

Trata-se de produto inacabado e frágil, que depende, para manter sua integridade, do auxílio de todos, que, por meio de ações probas, reverência ao ordenamento jurídico e cobrança sobre os que desatendem normas de conduta, sustentam e respaldam o governo dos homens pelas leis (e não por outros homens) e rechaçam a arbitrariedade, o jeitinho e a desonestidade.

Pois bem.

Chega o momento de encerramento dos meus deveres nesta 20ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que tem jurisdição sobre os municípios de Salgueiro, Belém do São Francisco, Carnaubeira da Penha, Cabrobó, Cedro, Mirandiba, Orocó, Parnamirim, Serrita, Terra Nova e Verdejante.

Um período curto, de um ano, mas muito desafiador, porque, aliás, desafiadores são os problemas e questões da região. Saio com a certeza de que fiz o que, dentro das minhas limitações, foi possível e realizável para debelar e solucionar as difíceis questões que me foram submetidas nesse espaço de tempo e espero ter correspondido às elevadas expectativas dos cidadãos sertanejos sobres seus agentes públicos. Tentei responder com rapidez ao que me foi demandado, consoante exige a vida moderna e demandam os jurisdicionados, mantendo o zelo e serenidade que se exige neste ofício. Espero ter acertado mais do que errado, se é que esses conceitos se encaixam nas sutis e nebulosas questões humanas.

Neste ano que passou, em um esforço conjunto, prolatamos 1.929 sentenças, o triplo desse número de decisões e o quíntuplo desse número de despachos, além de termos realizado 598 audiências.

Agradeço aos servidores pela extrema competência e dedicação com que abraçam diariamente sua missão; aos advogados e procuradores, pela decência e urbanidade no trato com o Poder Judiciário; e aos policiais federais e aos membros do Ministério Público, pela seriedade e empenho, sobretudo no combate à impunidade na região. Deixo, igualmente, meu respeito e consideração pelas autoridades locais e meu abraço aos amigos que aqui fiz, que me acolheram como se cidadão salgueirense fosse.

Encerro meu período de jurisdição nesta Subseção Judiciária com o sentimento pesaroso das despedidas, mas com o alento de que avançamos, neste pequeno e desamparado espaço do território nacional, mais um singelo e pequeníssimo degrau na construção de uma sociedade segura, livre e que permita a todos o desenvolvimento de suas potencialidades.

Como disse, anteriormente, trata-se de um processo de aprimoramento contínuo que depende, não só de nós, agentes da Lei, mas, principalmente, das senhoras e dos senhores para que se possa concretizar.

Deixo, portanto, discretamente, minhas atividades e me despeço com um ingênuo e singelo pedido: que o decente povo sertanejo prossiga colaborando para a consolidação da ordem, segurança e justiça neste torrão e que continue auxiliando o Poder Público no combate à corrupção e aos desvios de conduta que tanto têm prejudicado nosso desenvolvimento econômico e social, sobretudo nesta sofrida região. É na omissão dos bons que os maus prosperam e é na indiferença ou mesmo descaso com os desvios que estes se multiplicam.

A mudança que a sociedade pede e espera é cultural e não apenas política. Ela deve ser feita no dia-a-dia, nas pequenas ações, por todos nós. Precisamos avançar nosso patamar civilizatório. Devemos nos perguntar o que podemos fazer pelo nosso país e não o que ele pode fazer por nós. Estamos no caminho certo. Tenho fé no povo sertanejo.

Sigamos unidos.

Cordialmente,
pela última vez,



Juiz Federal FERNANDO XIMENES

Substituto da 20ª Vara Federal


terça-feira, 12 de março de 2019

Gelo


Reluzente floco de gelo, de onde vem tuas delineadas partículas atômicas?

Como se conformam teus átomos de hidrogênio para dar espaço ao oxigênio que te medeia?

Quão impiedoso é o frio que desagita teus elétrons para que mantenhas tão rija e cristalizada estrutura?

Por que te desfazes ao sol para chorar as lágrimas que, descendo pelas cordilheiras, formam os rios?

(...)

Mergulho-te com meu dedo em um copo de uísque. Tu submerges, rodopias, flutuas... me olhas.

Bebo um gole profundo do, agora, glacial líquido.

Impiedosamente, agrides minha combalida faringe. Sinto o teu poder. Me arranhas de modo indiferente, cruel.

Assusto-me. E tusso...

(...)

Eis a lição aprendida: o gelo, meus amigos, é como o amor feminino.

Em estado frio, agride nossa saúde.
Sob calor, é a fonte de toda a vida.