Celebrar e recordar os que existiram antes de nós é honrar nossas origens e predizer nosso futuro.
Já se disse que o homem que não sabe de onde veio também não sabe para onde vai…
Ao contemplar a vida dos nossos antepassados assistimos a um filme muito parecido com o da nossa vida, dirigido pelo mesmo diretor, com enredo muito semelhante e uma leve mudança nos personagens.
Olhando para nossos parentes próximos observamos traços de personalidade, escolhas e erros semelhantes aos nossos.
Há muito mais consonâncias do que dissonâncias nesse ponto.
Somos, muitas vezes, mais parecidos até do que gostaríamos que fôssemos.
E ao envelhecermos, nos tornamos capazes de perdoar os erros dos nossos ancestrais, justamente por nos vermos incidindo nas mesmas falhas nas quais um dia eles incidiram.
Nesse aspecto, inclusive, há menos livre arbítrio do que se costuma imaginar.
Claro, todos mantemos nossa individualidade e nosso domínio de escolhas, mas há um tecido comportamental comum entre parentes, que influencia nossa jornada, ainda que não nos atentemos para isso.
Penso que o fenômeno resulte de um misto de derivações genéticas e de um caldo cultural familiar, que vai nutrindo os membros da família de um conjunto de valores, compreensões e diretivas análogas.
Semelhantes antecedentes, afinal, costumam resultar em análogos consequentes.
No aspecto genético, não é difícil observar que, em cada célula do nosso corpo, na mais pequenina molécula de DNA, há uma ancestral mensagem silenciosa, um genético sopro no ouvido, que nos conforma, que nos abraça e que nos faz o que somos.
Todas as peculiares e singularíssimas características humanas são produtos e derivações químicas e biológicas dessa gentil árvore genealógica, que forma o que popularmente conhecemos como família.
No aspecto cultural, a cada conflito familiar, a cada conversa, a cada brincadeira, são reforçados padrões comportamentais comuns e compreensões semelhantes.
Viver com eles; rir com eles; às vezes, brigar com eles: são ações que reforçam essa similitude de valores e visões.
Cultivar esses laços e perpetuar essas histórias são, definitivamente, os grandes projetos que uma vida humana pode almejar.
Os títulos, os cargos e o dinheiro são passageiros. É verdade que trazem alguma satisfação, claro. Envaidecem, sem dúvida! Mas se exaurem no prazer imediato e não trazem plenitude ao homem.
Claro que é interessante manter certa atenção a objetivos terrenos, pois, seres finalísticos que somos, precisamos estar sempre perseguindo algo para que sejamos felizes.
No entanto, chega um determinado momento em que nosso espírito nos empurra para missões mais transcendentais.
Nosso horizonte se alarga e passamos a pensar no que deixaremos depois que passar toda essa cena…
É como se o Universo conspirasse para que façamos parte desse grande fluxo da natureza.
O propósito imaginado para cada um de nós não pode - penso eu - se resumir a exercer atividades profissionais burocráticas, por mais relevantes que sejam, ou buscar prazeres imediatos e mundanos.
Somos, organicamente, muito complexos para missões tão singelas e triviais. É preciso que haja mais.
Considero insensatez ou mesmo um certo tipo de arrogância imaginar que até as mais altas autoridades de qualquer nação, em qualquer tempo, possam deixar algo de realmente significativo para a posteridade.
Impérios caíram. Reis sucumbiram. E o curso dos acontecimentos permaneceu modestamente linear.
Analisando as questões sob um ponto de vista mais amplo, o papel exercido por cada ser humano, individualmente, é muito insignificante comparado à magnitude dos acontecimentos da natureza.
Ações humanas tendem a desaparecer com brevidade. Acontecimentos naturais tendem à perenidade.
Assim, quando acabar nossa existência terrena e formos reduzidos a átomos e ao produto de reações químicas degenerativas, nosso único legado será, muito provavelmente, apenas a lembrança nos que nos rodeiam e esses pequenos projetos do que fomos.
Alguns podem considerar que seja algo pouco importante, ou que se trate de sentimentalismo, mas qualquer descendência de cada ser humano é, intrinsecamente, mais nobre e relevante do que qualquer bem material até hoje produzido.
E digo isso levantando dados científicos: a mais moderna obra de engenharia, seja a construção de foguetes, ou o design de ferramentas de inteligência artificial, tem menos complexidade agregada do que a construção da mais singela molécula de DNA.
Isso equivale a afirmar que os imensos esforços humanos até então empregados ao longo da História não foram capazes de suplantar a tecnologia utilizada para criação da mais fundamental partícula constitutiva de seu próprio ser.
Após muito refletir sobre isso, compreendi que a obra mais relevante e sofisticada que qualquer ser humano pode realizar é, portanto, a replicação de sua própria estrutura, que consubstancia a formação de uma descendência.
Essa é uma grande benção, que foi distribuída, com muita benevolência, para muitos e muitos seres.
Trata-se da oportunidade de fazer parte de algo muito mais amplo e significativo, que consiste em aderir a esse ciclo natural intrincado, complexo e inequivocamente relevante. Nele, vejo lógica e propósito.
Chegará o dia, espero que não tão breve, em que, assim como os que nos antecederam, seremos transformados em energia e abraçaremos o vasto e profundo universo.
Mas nossa poeira cósmica se perpetuará por mais um breve tempo nesses pequeninos traços do que fomos.
Aglomerados de células perfeitamente alinhadas e inteligentemente organizadas, que nos emocionam e pelas quais sentimos um amor puríssimo, sem nunca tê-las conhecido.
Sinais divinos de que ascendência e descendência estão umbilicalmente conectadas, formando um angelical fluxo.
Ao meu bebê.
Brasília, 10/12/2024