Ninguém esconde que a
mentira faz parte da existência animal neste planeta. Os animais o fazem para
sobreviver, quando, por exemplo, se camuflam ou se fingem de mortos para não
serem comidos por um predador. De sua parte, os seres humanos o fazem com ainda
mais frequência, sendo pródigos na arte, visando a propósitos que variam desde
a autoproteção, compaixão com o próximo ou, até mesmo, para causar dano a
alguém.
Mente-se em gestos, ações
e palavras. Até mesmo uma expressão facial pode consistir numa inverdade ou
induzir alguém a ter uma visão equivocada sobre determinado fato. Em geral, as
mentiras causam pouco dano ou servem à manutenção de harmonia nas relações
humanas. Não me consta, por exemplo, que qualquer marido dotado de bom senso
responderia afirmativamente à pergunta: “amor,
você acha que estou gorda?”.
Fato é que há os
mentirosos compulsivos e as pessoas que mentem, reiteradamente, com propósitos
menos nobres. Dessas temos que nos proteger.
Identifico,
cotidianamente, duas grandes espécies de mentirosos: os contadores de histórias
(story tellers) e os lacônicos.
A primeira categoria, a do
contador de histórias, tem, em geral, uma visão agigantada de si mesmo. Acreditam,
piamente, na sua capacidade de convencimento. Acham-se inteligentes a ponto de
inventar uma história diversa da verdadeira e fazê-la crível a ponto de enganar
mentes experientes. Em geral, tais pessoas têm leves desvios de personalidade
relacionados à forma como se enxergam, além de traços de psicopatia, e costumam
enganar, com facilidade, pessoas menos atentas.
Seu modus operandi é desenhar, mentalmente, uma nova estória e
preenchê-la com detalhes. Na verdade, sendo ele, o contador de histórias,
experiente no ramo da inverdade, sabe que os detalhes conferem maior
credibilidade a qualquer narrativa, por isso prezam por contar uma estória
repleta de informações acessórias, como uma cereja para enfeitar o bolo.
Tais pessoas conseguem
convencer, com êxito, os mais incautos e aqueles que não têm qualquer
conhecimento neurolinguístico, mas são os mais fáceis de identificar para quem,
de fato, trabalha e tem experiência com o descobrimento da verdade.
Na prática, a melhor
estratégia é deixar que eles falem à vontade e que dêem a maior quantidade de
detalhes possível sobre a estória que contam. O ideal é que sejam até mesmo
estimulados, por meio de gestos e sinais visuais, a que falem sobre os detalhes
da narrativa.
Nesse ponto, é fundamental
que o inquiridor tome nota ou recorde de aspectos periféricos da estória. Como
diz o ditado, “o diabo mora nos detalhes”.
Sendo a estória inverídica, certamente, haverá falhas no desenvolvimento da narrativa
e, o principal, inconsistências entre as informações dadas.
É improvável que os
elementos centrais da narrativa não se encaixem porque o discurso foi ensaiado
e, certamente, o mentiroso se preocupou em conferir harmonia entre os
principais aspectos da estória. Isso não ocorre, contudo, com os elementos
periféricos, pois esses são, em tese, desimportantes e, na visão do mentiroso,
apenas um adorno para conferir maior credibilidade à estória.
Após toda a exposição do
fato pelo mentiroso, é essencial confrontá-lo com as informações periféricas (e
não as principais) que ele deu. Nesse ponto, o castelo de cartas começa a desmoronar.
Primeiramente, porque o mentiroso havia se preocupado em preparar mentalmente
respostas para os pontos principais da estória inventada e é pego de surpresa
ao ser inquirido sobre dados, em tese, de pouco relevo. Essa linha de abordagem
confere um elemento de stress que tem o condão de desestabilizar aquele que
mente. Em segundo lugar, nesse ponto o mentiroso começa a ter a noção de que
sua missão de enganar não será tão fácil como geralmente costuma ser, sendo-lhe
apresentada uma situação mais desafiadora do que a que é acostumado a enfrentar
nos seus desvios do dia a dia.
Na prática, ele, em geral,
começa a demonstrar fisicamente o desconforto, escondendo as mãos debaixo da
mesa, limpando o suor da testa com a manga da camisa ou até enxugando o suor
das mãos na calça, além de inúmeros outros sinais do conflito entre seu
subconsciente, que sabe da falsidade dos dados, e seu consciente, que
racionalmente desenhou a falsa narrativa. No fim das contas, o desconforto é
ainda avolumado pela ciência de que será, eventualmente, descoberto na mentira.
Não é raro que, em
determinado ponto, comecem a assumir parcela da verdade ou que, cientes da
sagacidade de quem os questiona e de que não vão conseguir convencer, partam
para uma versão ainda não completamente verdadeira, mas mais próxima do que, de
fato, ocorreu. Na verdade, eles costumam ter sucesso nas suas incursões
mentirosas nas suas vidas privadas e é a surpresa de não estarem tendo êxito na
empreitada que lhes leva à ruína.
A outra modalidade de
mentirosos é a mais difícil de identificar para os profissionais, enquanto o
leigo costuma ter a certeza de que os identificou, embora isso nem sempre seja
a verdade. É que uma considerável quantidade de pessoas responde com timidez e
discurso lacônico ao serem colocadas na situação de questionamento, pelo só
fato de estarem nessa situação de stress psicológico.
A leitura que o leigo faz
daquele que responde de forma lacônica ao ser questionado, em geral, é a de que
o interrogando está faltando com a verdade. Não que isso não seja verdade na
maioria das situações, mas é preciso divisar e identificar aquelas pessoas que
emudecem diante do stress ou que não conseguem se expressar com qualidade em
situações em que são postas diante de intenso questionamento.
Nesse caso, aquele que
pergunta consegue observar, nas reações do sujeito, os sinais neurolinguísticos
de stress e ansiedade (que geralmente denunciam o discurso mentiroso), mas fica
difícil discernir se aqueles sinais são oriundos da tensão derivada da própria
situação de inquirição ou se decorrem do conflito interno entre o
subconsciente, que sabe que o discurso é falso, e o consciente, que inventou a
estória.
No geral, o fato de a
pessoa questionada não dar maiores detalhes ou não conseguir responder é, como
o leigo costuma presumir, indicativo de que, efetivamente, não está dizendo a
verdade. Quem conta mentira (e não tem o perfil do story teller), geralmente, o faz usando um discurso genérico e
evita entrar em detalhes, pois teme não ter habilidade mental suficiente para
manter a coerência na construção da sua narrativa.
Um exemplo de uma história
verdadeira é a minha neste momento. Estou escrevendo este texto de um ônibus branco
e azul da empresa Progresso em direção à cidade do Recife. O motorista,
curiosamente, perguntou se havia passageiros que desceriam na parada da
Macaxeira e em Abreu e Lima. Digo curiosamente porque, em geral, eles param
automaticamente em tais lugares, questionando aos passageiros se vão descer
somente no momento da parada.
Essa narrativa tem
prováveis indícios de verossimilhança. Isso porque nela foram exprimidos, com
naturalidade, dados que somente quem, de fato, vivenciou a experiência poderia
atestar e é possível notar uma relação de pertinência do sujeito com a situação
vivida, inclusive com o sentimento de curiosidade do narrador.
Um mentiroso lacônico (e
não story teller) contaria essa mesma
estória da seguinte forma: “um dia desses
fui para Recife de ônibus”. Não diria o dia e nem detalhes, com o objetivo
de não deixar nenhuma ponta fora do lugar. Diante da pouca quantidade de
informações, o questionador, certamente, perguntaria por mais detalhes, como,
por exemplo, se o ônibus estava lotado. Nesse ponto o mentiroso diria: “mais ou menos”.
Na verdade, o mentiroso
não dá os detalhes porque tais detalhes nunca existiram, assim como não existiu
a própria estória. O mentiroso lacônico também costuma não inventar tais
detalhes porque não confia na sua capacidade mental de manter coerência na
narrativa construída e prefere minorar os riscos de entrar em contradição.
A dificuldade, em geral,
ocorre quando a pessoa inquirida não ostenta muito autocontrole emocional,
porque, como dito, os sinais visíveis de stress que exterioriza podem não decorrer
da aflição psicológica que acomete aquele que mente, mas sim somente da própria
situação de questionamento.
Para contornar essa
dificuldade é importante variar as perguntas feitas ao questionado entre temas
em que não haveria o presumível interesse de mentir e temas em que haveria esse
interesse. Geralmente esse processo é mais demorado até mesmo para que a pessoa
questionada consiga reduzir o nível de ansiedade que atinge o pico nos momentos
iniciais de inquirição. Após algumas perguntas leves e desinteressadas sobre
temas como quantidade de filhos, cor da casa etc., é natural que a pessoa questionada fique um pouco mais
relaxada. (É importante lembrar que tais dados podem ser ainda usados para
eventual confrontação futura com outros pontos da narrativa).
Sentindo um maior conforto
da pessoa inquirida pode o interrogador adentrar em temas mais centrais para o
deslinde do caso, pontos em que haveria presumível interesse em mentir. Se a
pessoa interrogada voltar a demonstrar sinais intensos de stress psicológico
nesse momento é uma indicação de que aquele desconforto decorre do próprio fato
de mentir, ou seja, do citado conflito entre o subconsciente e o consciente e
não da situação de questionamento em si.
Ainda assim, é necessário
bem valorar e sopesar as informações prestadas em conjunto, procurando por
inconsistências e, ainda, desprezar algumas informações falsas que a pessoa
questionada, eventualmente, dá, mas que não interessam para descobrir a verdade
sobre o fato central perquirido. Um exemplo disso é o da companheira que diz
ser casada na igreja para não sofrer qualquer tipo de julgamento moral, quando,
na verdade, apenas convive com o companheiro. Tal alegação mentirosa sobre seu
estado civil, fundada em um preceito de ordem moral, não significa que ela também
mentiria, por exemplo, sobre a quantidade de filhos em comum com o companheiro
(se esse for o fato principal a ser apurado).
No final das contas, há,
ainda, uma série de outras percepções que são difíceis de ser vertidas em
palavras para os propósitos deste texto, mas que são trazidas pela experiência
do dia a dia, após desenvolver essa tarefa de avaliação da verdade,
repetidamente, por milhares de vezes. Há, por exemplo, gestos, palavras e
olhares universais que costumam ser empregados pelas pessoas em discursos
mentirosos e que são reveladores da inconsistência do conteúdo narrado. É
importante que aquele que avalia consiga identificar, também, em quais pontos
do discurso haveria presumível interesse em mentir para monitorar as variações
de níveis de ansiedade nesses pontos da narrativa. Além disso, a tarefa fica
facilitada quando já se tem um conhecimento prévio de como aquela pessoa costuma
lidar em situações de stress e comparar essa lembrança de comportamento com o
demonstrado quando da inquirição.
Esclareço que tais
conhecimentos não garantem 100% de eficácia no descobrimento da verdade, porque
nós, seres humanos, somos muito complexos e reagimos de forma diferente aos
inúmeros estímulos que nos são dados. Até mesmo o polígrafo é passível de ser
enganado e há treinamentos desenvolvidos por agências de inteligência com esse
específico propósito. Não obstante, esses conhecimentos ajudam a identificar
fragilidades no discurso e, certamente, dificultam a tarefa daquele que mente.
Por fim, desaconselho
empregar as ideias aqui descritas em suas relações privadas sob pena de
comprometimento do seu bem estar. Na verdade, pequenas mentiras tornam a vida
menos dura e estar sempre identificando e avaliando quando alguém está
mentindo, além de ser um comportamento bizarro, tira um pouco da graça da vida.
Mantenha tais conhecimentos na seara profissional ou para situações extremas e
viva a vida, como propõe o blog, de maneira leve.