sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Despedida




Como sabemos, um fato lamentável ocorreu nesta semana, mais precisamente no dia 29 de novembro de 2016. Refiro-me ao acidente trágico com a aeronave que levava à Colômbia o time de futebol do Chapecoense.

As investigações preliminares apontam para uma suposta pane seca, ou seja, uma banal falta de combustível, fato corriqueiro nos automóveis, que gera, no mais das vezes, apenas aborrecimento, mas traz uma sentença de morte quase irrecorrível quando tratamos de viagens aéreas.

O diálogo do comandante com a torre de controle de tráfego aéreo, divulgado pelo noticiário, nos situa sobre o que se passava na cabine do avião quando adveio a certeza de que o avião não teria combustível suficiente para pousar na pista do aeroporto.

Após pedir instruções para a aproximação final do vôo e ser informado de que ainda faltavam algumas milhas para a pista, o que inviabilizaria o pouso, disse o comandante, apenas: “Jesus...”.

Escutei por duas vezes o áudio, atentamente. Não identifiquei desespero na sua voz. Ele o disse de forma serena, quase que conformado com o destino que esperava a ele e aos demais passageiros. Não que não houvesse medo na forma como o disse, pois certamente havia, mas não havia o pânico, porque não havia esperança de pousar a aeronave regularmente.

O pânico é uma reação natural do nosso organismo quando posto sob risco de perecimento. A injeção de adrenalina que lhe acompanha serve para que possamos processar as informações e agir mais rapidamente para superar a situação de risco. Ocorre que, naquela circunstância, de nada serviria ao seu propósito, pois não havia ação a ser tomada que pudesse, naquele momento, contornar a tragédia. Talvez por isso a conformação na cabine com o fato.

A aeronave apresentou falha elétrica quando suas turbinas deixaram de funcionar por falta de combustível, o que prejudicou a navegação. Subsequentemente, houve a perda de sustentação da aeronave, o que inviabilizou o controle do avião. Nessa hora, o piloto era apenas mais um passageiro e tinha a consciência de que teria que lidar com a iminente queda da aeronave e com o quase certo destino que os esperava. Não havia nada que pudesse fazer ou dizer para mudar o desfecho da situação. A partir de então, todos teríamos que lidar com a tragédia.

Por mais alheio ao futebol e mais acostumado que se possa ser com tragédias humanas, é impossível não se consternar ou não se abalar com tão chocante acontecimento. As imagens das famílias, os vídeos dos jogadores, a felicidade estampada nos rostos antes de embarcarem no vôo: tudo é muito forte, além de triste. É uma pena tudo acabar tão precocemente e é muito difícil de assimilar o fato.

Infelizmente não descobrimos como nos opor ou mesmo impedir o advento desse violento fato natural ao qual todos os seres vivos estão condenados. Por mais que avance a medicina, sempre estaremos sujeitos a esse ingrato destino, que é o de deixar este mundo, eventualmente.

Passado o momento de perplexidade, já no dia seguinte, vimos homenagens e demonstrações de carinho, igualmente, impactantes e comoventes. A união entre a torcida e a solidariedade de todos nos fazem recordar da capacidade que tem o ser humano de, em momentos de sofrimento, coletivamente, superar as mais graves dificuldades.

Por mais difícil que seja assimilar a perda prematura de jovens que viviam a melhor fase de suas vidas, nós, seres humanos, temos a capacidade de atravessar esses momentos e aprender com eles. Ver dois estádios completamente cheios, um em Chapecó e outro em Medellín, cantando, de forma uníssona, e homenageando os que pereceram foi uma demonstração espetacular do material de que somos formados.

Nós, humanos, somos repletos de defeitos, mas temos algo de especial. Algo que nos permitiu chegar, fisicamente, à Lua e, por meio de sondas, vasculhar os mais profundos recantos do nosso Sistema Solar. Algo que nos fez desenvolver a aptidão técnica necessária para nos tirar das cavernas e nos colocar em arranha-céus que desafiam a gravidade. Algo que nos fez desenvolver modelos de sociedade que, ainda que com contrastes e defeitos, nos tiraram da barbárie e da violência de todos contra todos para erguer Roma, Grécia e os modernos Estados democráticos.

Nesses momentos podemos observar o que podemos fazer quando unidos e que somos, sim, capazes de ações altruístas e de exercer a empatia, colocando-se no lugar do próximo. Embora os acontecimentos cotidianos nos façam, às vezes, desacreditar do caráter e da boa intenção de muitos, em eventos trágicos como esses somos relembrados da capacidade latente que tem o ser humano de se reinventar e, bem agindo, superar as mais intensas adversidades.

Assim, ainda que viver essas tragédias seja extremamente doloroso, tais momentos servem, ao menos, para retomarmos a fé no ser humano e no que somos capazes de fazer uns pelos outros.

É uma pena que o aprendizado venha a um custo tão alto (nesse caso, de caráter definitivo e irremediável), mas não há nada que possamos fazer, além de lamentar e confortar aqueles que sofreram mais intensamente com a tragédia.

A bandeira esteve a meio mastro naquele dia, como uma singela homenagem de um pequeno grupo de pessoas no longínquo oeste da Bahia.

Inexorável e intransigente, havia chegado a hora da despedida.