Como sabemos, um fato
lamentável ocorreu nesta semana, mais precisamente no dia 29 de novembro de
2016. Refiro-me ao acidente trágico com a aeronave que levava à Colômbia o time
de futebol do Chapecoense.
As investigações
preliminares apontam para uma suposta pane seca, ou seja, uma banal falta de
combustível, fato corriqueiro nos automóveis, que gera, no mais das vezes, apenas
aborrecimento, mas traz uma sentença de morte quase irrecorrível quando tratamos
de viagens aéreas.
O diálogo do comandante
com a torre de controle de tráfego aéreo, divulgado pelo noticiário, nos situa
sobre o que se passava na cabine do avião quando adveio a certeza de que o
avião não teria combustível suficiente para pousar na pista do aeroporto.
Após pedir instruções para
a aproximação final do vôo e ser informado de que ainda faltavam algumas milhas
para a pista, o que inviabilizaria o pouso, disse o comandante, apenas: “Jesus...”.
Escutei por duas vezes o
áudio, atentamente. Não identifiquei desespero na sua voz. Ele o disse de forma
serena, quase que conformado com o destino que esperava a ele e aos demais
passageiros. Não que não houvesse medo na forma como o disse, pois certamente
havia, mas não havia o pânico, porque não havia esperança de pousar a aeronave
regularmente.
O pânico é uma reação
natural do nosso organismo quando posto sob risco de perecimento. A injeção de
adrenalina que lhe acompanha serve para que possamos processar as informações e
agir mais rapidamente para superar a situação de risco. Ocorre que, naquela
circunstância, de nada serviria ao seu propósito, pois não havia ação a ser
tomada que pudesse, naquele momento, contornar a tragédia. Talvez por isso a
conformação na cabine com o fato.
A aeronave apresentou
falha elétrica quando suas turbinas deixaram de funcionar por falta de
combustível, o que prejudicou a navegação. Subsequentemente, houve a perda de
sustentação da aeronave, o que inviabilizou o controle do avião. Nessa hora, o
piloto era apenas mais um passageiro e tinha a consciência de que teria que
lidar com a iminente queda da aeronave e com o quase certo destino que os
esperava. Não havia nada que pudesse fazer ou dizer para mudar o desfecho da
situação. A partir de então, todos teríamos que lidar com a tragédia.
Por mais alheio ao futebol
e mais acostumado que se possa ser com tragédias humanas, é impossível não se
consternar ou não se abalar com tão chocante acontecimento. As imagens das
famílias, os vídeos dos jogadores, a felicidade estampada nos rostos antes de
embarcarem no vôo: tudo é muito forte, além de triste. É uma pena tudo acabar
tão precocemente e é muito difícil de assimilar o fato.
Infelizmente não
descobrimos como nos opor ou mesmo impedir o advento desse violento fato
natural ao qual todos os seres vivos estão condenados. Por mais que avance a
medicina, sempre estaremos sujeitos a esse ingrato destino, que é o de deixar
este mundo, eventualmente.
Passado o momento de
perplexidade, já no dia seguinte, vimos homenagens e demonstrações de carinho,
igualmente, impactantes e comoventes. A união entre a torcida e a solidariedade
de todos nos fazem recordar da capacidade que tem o ser humano de, em momentos
de sofrimento, coletivamente, superar as mais graves dificuldades.
Por mais difícil que seja
assimilar a perda prematura de jovens que viviam a melhor fase de suas vidas,
nós, seres humanos, temos a capacidade de atravessar esses momentos e aprender
com eles. Ver dois estádios completamente cheios, um em Chapecó e outro em
Medellín, cantando, de forma uníssona, e homenageando os que pereceram foi uma
demonstração espetacular do material de que somos formados.
Nós, humanos, somos
repletos de defeitos, mas temos algo de especial. Algo que nos permitiu chegar,
fisicamente, à Lua e, por meio de sondas, vasculhar os mais profundos recantos
do nosso Sistema Solar. Algo que nos fez desenvolver a aptidão técnica
necessária para nos tirar das cavernas e nos colocar em arranha-céus que
desafiam a gravidade. Algo que nos fez desenvolver modelos de sociedade que,
ainda que com contrastes e defeitos, nos tiraram da barbárie e da violência de
todos contra todos para erguer Roma, Grécia e os modernos Estados democráticos.
Nesses momentos podemos
observar o que podemos fazer quando unidos e que somos, sim, capazes de ações
altruístas e de exercer a empatia, colocando-se no lugar do próximo. Embora os
acontecimentos cotidianos nos façam, às vezes, desacreditar do caráter e da boa
intenção de muitos, em eventos trágicos como esses somos relembrados da
capacidade latente que tem o ser humano de se reinventar e, bem agindo, superar
as mais intensas adversidades.
Assim, ainda que viver
essas tragédias seja extremamente doloroso, tais momentos servem, ao menos,
para retomarmos a fé no ser humano e no que somos capazes de fazer uns pelos
outros.
É uma pena que o
aprendizado venha a um custo tão alto (nesse caso, de caráter definitivo e
irremediável), mas não há nada que possamos fazer, além de lamentar e confortar
aqueles que sofreram mais intensamente com a tragédia.
A bandeira esteve a meio
mastro naquele dia, como uma singela homenagem de um pequeno grupo de pessoas
no longínquo oeste da Bahia.
Inexorável e
intransigente, havia chegado a hora da despedida.