sábado, 21 de janeiro de 2017

Caminho





Pelo gélido e lúgubre caminho cruzou o discreto cavaleiro da Justiça.
Despido das suas vestes talares, sucumbiu àquilo que a todos une e a ninguém perdoa.
Permanece ainda silente, compenetrado e sério; desta feita, no impassível repouso.
Vitimado pela irracionalidade do destino, é, agora, não o juiz, mas o réu de uma sentença irrecorrível.

(...)

A qual outro homem moderno caberia empunhar tão honrosamente a libra e o gládio?
Quais e quantos outros serviriam tão solenemente ao seu circunspecto propósito?
Quem, às vésperas da obscuridade, poderia trazer à Babel a cautela dos anciãos e a solidez do ósmio?

(...)

Solte esta pesada caneta, Forseti. Descanse.
Não tens mais o dever do sopeso.
Tu, na verdade, não nos deixas, pois viverás na memória dos teus.
A teu caminho seguirão outros, imbuídos da tua prudência e rigor.
E se, por alguns, fores esquecido, teus escritos falarão por ti, reverberando lições aos jovens.
Viva, agora, para sempre.

 
*Em memória de Teori Albino Zavascki

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Universo





Retirei a máscara que protegia meu fronte.
Na imensidão, somente a escuridão avassaladora e o silêncio.
Não ouço sons; apenas sinto vibrações.
Nesse espaço de tempo, tento inspirar e meus pulmões não enchem. Isso, todavia, não me incomoda.
Meus braços e pernas estão estáticos, embora perceba estar girando em torno do meu próprio eixo.
Olho para cima e, no horizonte, observo um profundo azul esférico, que cintila tons pastéis e brancos.
Uma sensação de paz me invade. 
"Estou em casa".
Toca o despertador e acordo. 
Ainda estou cansado, todavia.
Até parece que voltei de viagem.

Testemunha



Quão ingrata é a posição da testemunha...

Geralmente arrolada por uma das partes, sente a responsabilidade pelo futuro de outro ser humano recair sobre o seu relato. Sabe que as palavras que verbaliza podem conduzir a um destino diverso e, frequentemente, pouco auspicioso para os envolvidos.

Ser humano que é, carrega compaixão, empatia e, em geral, não deseja causar dano a ninguém. Está nervosa, pouco confortável com a situação e deseja apenas sair dali.

Não obstante, está obrigada por lei a dizer a verdade do que viu e presenciou.

Às vezes finge naturalidade, outras vezes adota o formalismo, mas não consegue disfarçar o nervosismo.

Dialoga internamente tentando dizer o que deve dizer sem prejudicar a si mesma ou ao réu, geralmente pessoa conhecida. Por vezes consegue. Muitas vezes falha.

Inquirida por todos na sala, é obrigada a contar as piores fofocas na frente do próprio implicado nelas. Tem, portanto, a obrigação da descortesia.

Relatando o que presenciou, é pressionada pelas partes a dizer o que tem para dizer da forma mais grave ou amena possível, a depender do caso, quando não a confessar coisas que fez e não gostaria de expor.

Terminada a inquirição, recebe um “obrigado”, “boa tarde” e volta para casa, agora tendo que lidar com novas inimizades.

Pesando e medindo, às vezes parece melhor ser réu a ser testemunha.

Finitude



Somos compostos por nitrogênio, carbono e um punhado de outros elementos químicos. Como sabemos, esses elementos se agregam e se combinam, de forma sistêmica e, sobretudo, orgânica, para que possamos existir.
A razão pela qual isso acontece é, cientificamente, indemonstrável. Há toda sorte de crenças que respondem a essa e outras perguntas, mas todas pressupõem que, em determinado momento, cessemos as questões e abracemos a explicação pela fé, sem aprofundar as ponderações.
A verdade é que sempre questionaremos por que toda a matéria desorganizada do cosmo insiste em se aglutinar de forma precisa e harmônica para formar seres que deliberam e executam ações de forma racional e programada.
Em que pese não saibamos (e talvez nunca saberemos) o porquê disso tudo, temos a exata noção de que a matéria se organiza somente por um tempo, formando a vida, para depois se estraçalhar e se decompor em um infindável aglomerado de substratos e reminiscências da existência orgânica.
Diante dessa inexorável constatação, qual seja, da finitude da nossa existência, cabe a nós, seres vivos, frutos desse mistério, decidir o que faremos nesse curto espaço de tempo em que estamos, como matéria, organicamente jungidos.
Até porque a limitação da nossa vida nos impõe que estejamos sempre fazendo escolhas e tem a importante função de atribuirmos o devido valor às coisas. Vejam que conferimos maior valor às férias em razão da sua finitude. Certamente seriam menos aproveitadas se se prolongassem indefinidamente.
No pouco que reflito, não vejo caminho outro senão desfrutar desse tempo que nos foi dado. Ainda que devamos fazer planos para o futuro, dado que, sem planejamento, nada se constrói, não creio que devamos dedicar boa parte das nossas vidas a isso – a olhar somente para a frente.
Claro que o cotidiano não se compadece dos nossos sonhos nem tem compromisso com nosso constante bem-estar. Temos, todos, muitas obrigações e responsabilidades. Não obstante, resta-nos aproveitar espaços de distração sempre que tivermos tempo para tanto, sempre que pudermos nos desligar dos deveres.
Nesses curtos espaços de lazer, identificamos, se não a razão para existirmos, pelo menos bons motivos para fazê-lo: famílias, amigos, risadas, entre outras coisas boas.
Existir é, antes de tudo, uma grande oportunidade.