Para quem não sabe, a
carreira burocrática nem sempre foi minha primeira opção. Já tive devaneios profissionais
esportivos, científicos e artísticos.
Comecei muito cedo no
esporte amador estudantil. Primeiro no futebol da escola. Na verdade, nunca fui
um centro-avante talentoso. Acredito que sempre era escalado pelo “professor” porque
sempre fui um jogador raçudo, embora não tivesse, propriamente, habilidade no
trato com a bola. Era e sou um jogador de futebol limitado, mas com um jogo
bastante pragmático, sem muitas firulas. Considero-me cônscio das minhas
limitações, talvez por isso nunca costumava inventar muita coisa. Jogava o feijão
com arroz e, geralmente, dava certo.
Aos 10-11 anos tive uma
experiência de quase ascensão profissional abruptamente interrompida pela
dificuldade de comunicação da época. O time infantil do clube francês Lyon havia
chegado na cidade para jogar contra meu time do colégio, para uma possível
prospecção de novos atletas. Ocorre que era período de férias e estava numa
pescaria com um dos meus tios e primos. Não havendo, ainda, celulares, acabei
não recebendo, por ausência de meios tecnológicos, a mensagem do mestre Jaílson
com o local e horário da partida.
Embora tenha sido, no
momento, uma experiência frustrante, depois de alguns dias concluí, na minha
praticidade infantil, que, definitivamente, não seria importado pelo futebol
francês. Acabou não fazendo diferença.
Após uma temporada no banco
de reservas que começou a se eternizar, acabei migrando para o judô. Nesse
esporte me considerava melhor. Aprendi muito rápido os golpes e cheguei a obter
razoáveis colocações nos campeonatos locais. Provavelmente deve haver medalhas
em alguma gaveta na casa da minha mãe.
O futuro na carreira do
judô, todavia, era incerto. Embora já tivéssemos o ouro olímpico de Aurélio
Miguel, não parecia, aos olhos de uma criança geralmente prudente, uma escolha
que levaria a uma trajetória de sucesso. Logo desencanei, portanto, dessa
ideia.
Nesse meio tempo, assisti
a uns clássicos de ficção científica, como “2001: Uma Odisséia no Espaço” e “Apollo
13” e flertei, puerilmente, com a possibilidade de participar,
profissionalmente, de uma viagem interestelar. Essa meta, contudo, foi
frustrada por limitações científicas (como a impossibilidade de a matéria, em
geral, viajar na velocidade da luz) e pela precária condição do programa
espacial brasileiro dos anos 1990. Tive que me adaptar à realidade.
Dos dois primeiros
devaneios profissionais (repetindo, esportivo e científico), somente restou,
agora, o interesse por esportes de menor intensidade física, como o tênis, e a
curiosidade por assuntos científicos e filmes relacionados ao tema.
O último devaneio, o
artístico, contudo, é mais severo. Tenho um grande gosto por música e instrumentos
musicais, o que me rende piadas infames dos familiares e amigos mais próximos.
Dizem não saber qual instrumento, de fato, eu toco. Tenho ou já tive os seguintes
instrumentos musicais: violão, guitarra, triângulo, repinique, gaita, bateria,
cavaquinho, piano, sanfona e, por último, ukulele. Não que eu saiba tocar todos
bem, longe disso. Tenho maior conhecimento no violão, bateria e piano, mesmo
assim, não creio ter talento musical que pudesse me garantir o sustento (se bem
que hoje em dia não é bem um requisito).
Já integrei uma banda de
forró pé-de-serra com primos e uma banda de rock com colegas de trabalho. Adianto
que nenhuma delas teve qualquer disco lançado ou se apresentou para um público
superior a 200 pessoas. Ganhamos, com a primeira, no entanto, um mini festival
na faculdade, o que nos envaidece até hoje. Na verdade, acho que ganhamos mais
pelo carisma e animação do que, propriamente, pela técnica. Azar deles.
O fato é que ingressei nas
atividades artísticas já mais tarde e mais velho e, portanto, menos suscetível
a devaneios. Avalio, ainda, agora, que, se tivesse optado por essa via mais
cedo, provavelmente não encontraria suporte em casa. Minha mãe, na sua
objetividade, certamente diria: “Meu
filho, não acho que você tenha talento suficiente”. Risos. Também não
consigo me vislumbrar como uma daquelas crianças sem talento que vão a
programas de auditório levadas pelos pais para constituírem elementos de prova que
deponham contra sua reputação futura.
Pelo bem ou pelo mal, ao
tempo do devaneio, meu espírito auto crítico já havia aflorado ostensivamente e
não me permitiu sucumbir a esse desejo renitente.
Hoje avalio como acertada
a escolha, o que não me impede de achá-la equivocada de vez em quando, somente
para, no dia seguinte, mudar de ideia de novo.