segunda-feira, 20 de março de 2017

Círculo

Seres vivos que somos, nascemos e, eventualmente, morremos. Temos, portanto, início e fim.
Tudo ao nosso redor parece ter, também, início e fim. Os demais seres vivos, os relacionamentos interpessoais, os dias do ano: vejam se tudo ao nosso redor não começa e termina, de uma forma ou de outra (bem ou mal).
Talvez em função disso (por estarmos acostumados com essa perspectiva de começo-término), costumamos questionar sempre a origem e o fim das coisas, ponto de partida de onde derivam as mais variadas perguntas, tais como: quando começou o Universo, porque se iniciou a vida e quando terminarão todas as coisas... Essa é, afinal, a tal perspectiva teleológica de Aristóteles.
Veja que, para nós, seres humanos, é normal surgirem essas indagações, porque somos seres finalísticos, sempre em busca de um objetivo e sentido em tudo. Afinal, tudo que nós criamos tem, de uma forma ou de outra, além de início e fim, alguma finalidade. Somos pragmáticos e é natural que procuremos por sentido para as coisas. Mas... E se não há início nem finalidade para tudo?
A reflexão que proponho hoje é: e se o Universo, de fato, não tem fim, nem começo. E se ele apenas existe e sempre existiu sem qualquer razão subjacente?
Platão dividia o mundo entre o sensível e o inteligível, isto é, entre aquilo que nossos frágeis sentidos podem apreender e aquilo que, no campo das ideias, pode ser idealizado (depurando a enganação dos nossos sentidos).
Em função da fragilidade dos nossos sentidos, somos levados, habitualmente, a conceber o Universo como produto necessário de uma relação causal, onde uma causa gera uma consequência, onde há, necessariamente, um fim e um começo.
Ocorre que essa visão é, como deixei entrever, essencialmente humana. Os animais apenas existem. As pedras apenas rolam. O musgo cresce, indiferente, nas paredes úmidas. A natureza parece não ter qualquer compromisso com objetivos.
Repare que aquilo que, para nós, é a morte de uma planta, nada mais é, para a natureza, do que a transformação de matéria em energia, de um ponto de vista físico, ou uma sequência de reações químicas, de uma perspectiva química.
O decesso de um ser vivo, para a natureza, não é seu fim, tampouco seu início. É apenas uma parte de um ciclo maior, onde restam conservadas ao final, em somatório, a matéria e energia envolvidas no processo.
Assim, analisando a natureza sob o viés do inteligível, vemos que ela poderia muito bem ser melhor representada por um círculo do que por uma reta, porquanto, ao contrário da reta, ela parece não ter fim nem começo, bem com parece ser um todo harmônico em constante transformação. E há uma lei da Física que demonstra muito bem isso. É a lei da conservação da energia, segundo a qual, na natureza, em um sistema fechado, nunca há perda de energia; ela apenas se convola em outras formas de energia, conservando-se o quantitativo total envolvido no processo. Isso acontece, por exemplo, quando a energia potencial de uma mola se transforma em energia cinética.
Sendo assim, abstraindo o raciocínio derivado da experiência humana, que é produto desse limitado mundo sensível, somos levados a questionar que pode não haver, propriamente, um fim (em ambos os sentidos) para as coisas, tampouco início. Pode ser que as coisas, assim como nós, apenas existam e que todos e tudo sejamos parte de um interminável ciclo, aparentemente harmônico, e regulado por regras bem definidas, que simplesmente existem desde sempre.
Eu não tenho a resposta para isso, nem pretendo ser capaz de chegar a ela na minha insignificante existência. Talvez você, leitor, tenha as suas. Aliás, imagino que cada pessoa, ainda que não reflita muito sobre isso, tem uma percepção própria ou, ao menos, um feeling sobre essas questões. A princípio, não considero tais noções incompatíveis com a existência de uma ordem superior, que tenha estabelecido as leis físicas que regem nosso Universo, e que pode, também, sempre ter existido. Muitos cientistas contemporâneos, inclusive, compartilham dessa visão.

Talvez, quem sabe, eu ou você possamos chegar a tais respostas em algum momento, lugar ou dimensão (inclusive poderemos rir dessa nossa atual ignorância) ou pode ser que simplesmente não sejamos dignos de tal conhecimento, assim como a poeira abaixo do nosso sapato não tem ciência de quando será pisada. Afinal, para os que não sabem, nesses últimos 12.000 anos, descobrimos não só que não somos o centro do Universo, mas que somos parte de uma das centenas de milhares de espécies de seres vivos que já moraram em um pequeno planeta que orbita uma pequena estrela, numa zona absolutamente periférica de uma dentre bilhões e bilhões de outra galáxias em um Universo aparentemente em expansão.

Decisão Salomônica

Uma celeuma envolvendo um galo vem movimentando uma cidade da região do Cariri nordestino. Por questões de proteção à intimidade e até para me proteger de pedidos de indenização, não vou revelar a verdadeira identidade dos partícipes, embora merecessem o devido reconhecimento por ilustrarem essa interessante história.
Tudo começou com uma corriqueira transação comercial de cidade interiorana: a compra de um galo...
O feriado de São João se aproximava na pequena cidade do interior paraibano e Dona Miúda foi à barraca de Seu Bonifácio, conhecido comerciante da urbe, para dar uma olhada nas mercadorias que ele tinha para vender.
Analisando os produtos por baixo do seu olhar clínico de septuagenária nordestina, passou ao largo dos maxixes e melancias, aparentemente velhos, para debruçar-se sobre os galos expostos à venda na barraca.
Após muito observar, acabou por escolher um belo exemplar de galináceo, de peito estufado, canto grave e cores radiantes. O anúncio em cima da gaiola dizia: “galo valente”.
Pois bem. Pago o preço, transportou o galo para casa, preocupando-se em isolar bem os esporões para evitar acidentes, afinal, segundo ela, “um bichão desse deve ser brabo feito cavalo de vaquejada”.
Devidamente instalado em seu novo lar, o galo, logo apelidado de Fifão, começou a desbravar o terreiro. Assim que lá chegou, incontinenti, começou a fazer muitas amizades. A sociabilidade, aliás, era seu traço mais marcante; nada daquele tom agressivo e falastrão dos galos comuns. Fifão era um galo gentil e extremamente polido. Segundo Dona Miúda, era um galo que, de tão asseado e educado, ciscava de lado para não ter o perigo de sujar alguém atrás.
Os dias se passaram e Fifão conquistou a simpatia de todos, inclusive dos vizinhos. Isso porque Fifão tinha tanta consideração pela vizinhança que somente cantava às 06:00h para não prejudicar o sono alheio. Seu canto, aliás, despertaria inveja em grandes tenores do século XX, como Bocelli e Pavarotti.
Ocorre que, em que pese o notório carisma do animal, Dona Miúda não estava contente com ele. É que Fifão, a par da amizade com os demais galináceos do terreiro, não se aproximava mais intimamente das galinhas, não manifestando o menor desejo de ser pai.
Não se sabe se por temer a responsabilidade do encargo da paternidade, ou por outras razões desconhecidas do povo da cidade, mas o fato é que Fifão evitava um envolvimento mais sério com qualquer outra galinha.
Vendo seu projeto de produzir pintos escoar pelas suas mãos, Dona Miúda logo se revoltou com o vendedor do animal, Seu Bonifácio, e, tendo perdido a paciência por completo, foi ter com ele uma conversa séria, para pedir o ressarcimento do que gastou ou um abatimento proporcional do preço, pois, segundo ela, “Fifão teria vindo com defeito de fábrica”.
Não tendo, Seu Bonifácio, anuído com a devolução de qualquer valor, instaurou-se o litígio que, como não poderia deixar de ser, veio a ser submetido a Dr. Salomão, antigo e respeitado magistrado da Comarca...
Dr. Salomão, de uma técnica e sobriedade marcantes, iniciou sua abordagem mental considerando tratar-se de vício redibitório (expressão jurídica que indica que o produto foi vendido com defeito não perceptível a olho nu). Pensou ele, internamente: “o caso parece simples, pois o galo teria a função de reproduzir e, não tendo cumprido esse desiderato, estaria caracterizado o vício do produto, de forma a autorizar, no mínimo, uma compensação ao consumidor”. Sendo essa sua premissa inicial, começou a ouvir os demais presentes na ocasião...
Dona Miúda insistiu que teria sido lesada, pois nunca imaginou que o galo que adquirira pudesse não ter interesse nas galinhas e dessa falta de entusiasmo adviria seu enorme prejuízo, já que sua produção de pintos estava completamente parada.
Seu Bonifácio, a seu turno, visivelmente irritado por estar na condição de réu, defendendo sua causa sem advogado (já que fora Vereador por um tempo e sabia usar as palavras), levantou o seguinte argumento:
̶ Meritíssimo, eu nunca prometi a Dona Miúda que esse galo fosse ser, por assim dizer, namorador, nem que ele tivesse qualquer vontade de ser pai. O que prometi foi um galo valente e não há nada que contradiga isso. Até onde sei não houve qualquer covardia por parte do galo. Não posso aceitá-lo de volta porque já gastei o dinheiro da venda dele e, além disso, é difícil demais para um galo já crescido mudar de terreiro.
Após ponderar alguns segundos, Dr. Salomão, como é do costume judiciário, passou a palavra ao Ministério Público para que pudesse opinar sobre o caso.
O membro do Ministério Público atuante no caso, Dr. Jorge, era um sujeito erudito, recentemente chegado da França, onde havia participado de extenso programa de mestrado sobre os direitos dos animais, o que talvez tenha influenciado seu parecer, no seguinte sentido:
̶ Excelência, com a devida vênia ao representante da parte autora, considero que a pretensão autoral parte de uma premissa equivocada. É que Fifão não pode ser considerado produto. Na verdade, tem ele, se Vossa Excelência me permite a inovação, prerrogativas próprias de animal. É ele sujeito de direitos e não objeto de um direito titularizado pela autora. Tem ele, portanto, a plena faculdade de se relacionar ou não com outros animais da sua ou outra espécie, tendo ou não o desiderato reprodutivo.
Concluiu dizendo, ainda, que:
̶ Se, eventualmente, o que não parece ser o caso, Fifão quisesse se relacionar com uma ou mais galinhas, sem assumir o encargo da paternidade, a detentora do animal deveria lhe proporcionar meios seguros e eficazes de assegurar a satisfação do seu interesse, assim como deve permitir-lhe, no presente caso, que não se relacione com qualquer outro animal. Sugiro que Vossa Excelência rejeite o pedido autoral.
Dr. Salomão, visivelmente estupefato com a complexidade que havia tomado aquele caso que, a princípio, parecia banal, e enfadado com o severo dia de trabalho, após refletir alguns segundos, decidiu proferir sentença oral, que foi imediatamente transcrita pelo escrivão, nos seguintes termos:
“Tudo bem visto e examinado, considerando a extensão da pauta de audiências da tarde de hoje e que se achega o dia da confraternização junina deste Juízo, este Magistrado decide por bem comprar o galináceo sob discussão nos autos, pagando à parte autora o valor correspondente ao de sua aquisição.
Em função disso, declaro a perda superveniente do objeto discutido nos autos e, por consequência, resta EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, na forma do Código de Ritos.
Em face do reduzido proveito econômico da demanda, ficam os honorários advocatícios substituídos pelo convite aos envolvidos para comparecimento à citada confraternização, que ocorrerá amanhã, dia 22 de junho, às 13:00h.
Sem custas.
Proceda a copeira ao preparo do animal.
Publique-se. Registre-se. Partes intimadas em audiência.”
No fim, todos ficaram satisfeitos, não houve recurso e o processo foi arquivado.
  

terça-feira, 7 de março de 2017

Impressões sobre o Tempo

Costumamos medir e sentir o tempo como o palco onde há um desenrolar sucessivo de eventos, que evoluem sequencialmente desde um ponto inicial, passando linearmente por pontos intermediários até um ponto final.
O tempo, na experiência cotidiana dos seres humanos, é constante e absoluto, isto é, é o mesmo para qualquer um, em qualquer lugar. Ainda que adotemos, por questões logísticas e de conveniência, referências diversas, como fusos horários ou horários de verão, o fato é que essas diferenças se dão dentro da mesma escala de tempo, que não difere nem para mim, nem para você, nem para ninguém.
Assim, segundo nossa limitada percepção sensorial, cada unidade de tempo parece ser igual, estejamos aqui ou do outro lado do mundo. Nesse sentido, ainda que no Japão seja noite enquanto no Ocidente é dia (portanto, horários diferentes), uma hora no Japão é exatamente o mesmo que uma hora aqui.
Com efeito, se eu comprasse dois relógios suíços, ajustasse os ponteiros de ambos na mesma hora, ficasse com um deles, e desse o outro a você, que estaria, hipoteticamente, partindo em viagem à China por uma semana, apostaríamos que, não havendo qualquer reajuste nos ponteiros dos relógios, ambos deveriam assinalar a mesma hora quando do fim da viagem (isso se, de fato, os relógios suíços são tão bons como se costuma dizer – alguns ressalvariam).
E acertaríamos nessa análise, já que a tal viagem hipotética foi realizada dentro do nosso planeta. De fato, segundo a atual compreensão científica, não há motivos para crer que se observaria diferença entre a hora apontada pelos ponteiros dos relógios nesse deslocamento na superfície da Terra. Certamente isso é até corriqueiro e confirmado por muitos viajantes.
Ocorre que os estudos científicos modernos desmentem essas impressões quando alteramos levemente as circunstâncias que envolvem o exemplo dado. Isso porque, segundo a Teoria da Relatividade, não existe um padrão único de tempo, como um pano de fundo imutável e absoluto onde acontecem todos os eventos do universo. Ao contrário: o tempo seria uma noção relativa, que varia de acordo com cada espectador. Para Einstein, o pai da Relatividade, cada personagem tem seu próprio tempo.
Dessa forma, esse mesmo exemplo do relógio teria resultado diverso se você viajasse, não para China, mas para distâncias maiores para fora do planeta, como, por exemplo, numa viagem interestelar ou para qualquer outro lugar consideravelmente mais distante do núcleo da Terra, desde que nós (que somos personagens do exemplo dado) estivéssemos sujeitos a diferentes patamares de força gravitacional ou nos deslocássemos em velocidades incrivelmente diversas.
Stephen Hawking, aquele famoso cientista que inspirou o filme biográfico “A Teoria de Tudo”, utiliza o Paradoxo dos Gêmeos para explicar esse fenômeno. Segundo ele, se dois gêmeos (obviamente de mesma idade) combinassem e implementassem a ideia de que um partiria numa viagem interestelar à velocidade próxima à da luz enquanto o outro permaneceria aguardando na Terra, o tempo passaria mais rápido para aquele que aqui permaneceu do que para o que deixou o planeta, de forma que o gêmeo viajante retornaria mais jovem do que seu irmão. Esse conceito é usado também no brilhante filme “Interestelar” (dirigido por Christopher Nolan), onde o astronauta interpretado por Matthew McConaughey volta de uma viagem intergaláctica por um buraco negro e ainda, jovem, se depara com sua filha idosa prostrada em uma cama.
Não aprofundarei a questão do porquê a noção de tempo é relativa e varia de espectador a espectador porquanto a questão é de alta complexidade e foge ao objeto do texto (tem a ver com a força gravitacional que a matéria exerce sobre a energia da luz e sua frequência – recomendo a leitura do livro “Uma Breve História do Tempo” para quem deseja aprofundar). O fato é que, ainda que possam parecer absurdas para nossa limitada compreensão, tais ideias vêm sendo confirmadas por cálculos matemáticos e já são implementadas na prática, sendo consideradas as tais diferenças de tempo entre espectadores nos nossos modernos sistemas de navegação.
A questão que ora trago para reflexão é que, embora não tenhamos, concretamente, diferença de tempo entre espectadores na Terra (relógios ajustados à mesma hora aqui sempre marcarão a mesma hora desde que permaneçam na superfície terrestre), já experimentamos, cotidianamente, percepções temporais diversas, a depender do espectador.
Ilustro essa ilação com um exemplo. Certo dia, minha mãe me contava que, em tom crítico e de repreensão, disse a seu neto (meu sobrinho, portanto) que ele teria que estudar muito para ser rico se quisesse comprar todas as coisas que deseja e pede diariamente. Ela me narrou, ainda, que ele, após refletir alguns segundos e tomado pela curiosidade, retrucou, perguntando se, caso estudasse muito, poderia ser rico ao completar seis anos de idade. O detalhe é que ele, hoje, tem cinco anos.
A constatação que tiro desse questionamento é a de que a percepção de tempo dele é diversa da minha e da de muitos de vocês e a de que um ano para ele é uma eternidade. E isso é muito razoável, considerando o espectador do caso. Ora, vejam se não faz sentido para quem tem cinco anos acreditar que um quinto de sua existência é um considerável espaço de tempo, suficiente, quem sabe, para que possa estudar, trabalhar e, em seguida, enriquecer. Considero uma hipótese plausível para uma criança.
Para nós, ao contrário, que já temos muitos verões nas costas e que passamos os dias ocupados com nossos afazeres, o período de um ano passa voando, sem que possamos sequer nos dar conta do quão rápido passou. Posso imaginar até que para os senhores de idade avançada o lapso de um ano deve representar ainda menos, sendo quase desprezível do ponto de vista cronológico.
O fato é que vejo aí diferenças gritantes e relatividade, não do tempo, mas da percepção que se tem sobre ele.
Esse fenômeno pode acontecer, ainda, sem que variemos o espectador. Nós mesmos temos diferentes impressões da passagem do tempo nas diferentes fases das nossas vidas. Fomos crianças como meu sobrinho e já tivemos dias de quarenta e duas horas. Hoje, e à medida que nos ocupamos de inúmeras atividades e envelhecemos, assistimos, impassivelmente, o tempo escorrer por nossas mãos numa velocidade absurda. Não sei vocês, mas quase não percebi a passagem do ano de 2016 e já o confundo com 2014 e 2015.
Outro exemplo de relatividade da percepção do tempo ocorre quando estamos sob o efeito da adrenalina. Todos que vivenciam situações de risco costumam dizer, depois de uma situação de pânico, que “tudo aconteceu tão rápido”. Eu, todavia, nunca concordava completamente com tais relatos porque sabia que a injeção de adrenalina acelera nossa percepção sensorial, fazendo com que raciocinemos mais rapidamente. Disso deduzia que o tempo deveria parecer transcorrer de forma mais lenta – e não o contrário.
Não obstante, diante da recorrência dos relatos, avaliei que devia haver algum razão subjacente para tal impressão e cheguei a uma conclusão provisória de que, provavelmente, o cérebro, nas situações de pânico, concentra seus esforços em escapar do risco de perecimento e não em registrar os acontecimentos, do que deve derivar a sensação de que o momento foi breve, quando, na verdade, apenas foi breve a lembrança do momento. (Interessante que tive essa ideia refletindo sobre os dias de ressaca, em que temos a impressão de que a noite foi curta, embora, na verdade, tenha sido longa e pouco registrada em nosso cérebro).
Outra derivação dessa relatividade da percepção do tempo foi nos dada por esse mesmo sobrinho quando questionado quantos anos minha mãe (um jovem senhora quinquagenária) estaria completando agora no final de janeiro. Ele, sem pestanejar, e sem se preocupar com sentimentos alheios, respondeu: “Vovó vai fazer cem anos”.
Enfim, são tantas as reflexões sobre o tempo que corremos o risco de flertar com a loucura quando imaginamos todos os desdobramentos possíveis a partir do que descobrimos sobre ele (e o Universo, de um modo geral) nas últimas centenas de anos. Quem diria que nós, seres humanos, sairíamos da escura e fria noite das selvas africanas, iluminados apenas pela luz das estrelas, para questionarmos, com pequeníssima, mas consistente base científica, o início e o fim do nosso tempo.
Findando (pois o assunto deixou de ser leve), eu não sei qual será a futura concepção científica sobre o tempo tampouco a percepção que esse meu sobrinho terá sobre esse mesmo tempo quando atingir a fase adulta, só desejo - e espero - que ele aprenda a medir as palavras até lá.