O ano é 2027. A nação está
em profunda crise política e econômica há dez anos. Partidos políticos de todas
as matizes ideológicas chegaram ao poder e o deixaram, abruptamente, em
decorrência de escândalos noticiados pela imprensa. Na última década, nenhum
Chefe de Governo conseguiu completar um ano de governo, tendo sido substituído
por interventores e, em seguida, por políticos de ideologia diametralmente
oposta.
No Parlamento, subsistem
velhos e novos congressistas, poucos dos quais conseguem a reeleição. Os
eleitores, frequentemente, se frustram por não terem suas pretensões atendidas
e decidem redirecionar seu voto para outro político que prometa atender-lhes de
algum modo. Os representantes mais votados são os ex-participantes de programas
de canais da Internet e os que decidiram delegar, por completo, sua intenção de
voto aos seus eleitores, que manifestam sua opinião por meio de plataformas
virtuais.
Os partidos políticos
passaram por intensa modificação. Após o desgaste e cansaço da população quanto
ao debate ideológico entre esquerda e direita, eles deixaram de representar e
defender ideais políticos e passaram a congregar segmentos de pessoas,
agregados por condição econômica, etnia ou outra característica peculiar.
Assim, foram criados o PNB (Partido dos Novos Pobres), para representar a
classe média relegada à pobreza após a crise econômica, o PME (Partido das
Minorias Étnicas) e o PSP (Partido dos Servidores Públicos).
Há cerca de cinco anos a
multiplicação de tais partidos resultou na subrepresentação dos cidadãos que
não integravam qualquer uma dessas agremiações. Esse contigente populacional
passou a ter dificuldades cotidianas, desde para conseguir lugares nas filas
para alimentação, até para encontrar vagas disponíveis na rede de saúde
pública. As benesses legislativas para grupos específicos esvaziaram as vagas
gerais para o grosso da população e, para contornar esse quadro, foi criado o
PR (Partido do Resto).
Após uma profunda crise de
credibilidade e da descoberta do envolvimento de membros da imprensa com
políticos envolvidos em casos de corrupção, os veículos de imprensa tradicionais
perderam toda credibilidade e espaço para meios jornalísticos alternativos, em
redes sociais e blogs da Internet. Figuras importantes do jornalismo nacional,
após perderem o emprego, apresentam jogos interativos por meios de plataformas
streaming na Internet e programas de venda online.
As redes sociais e
aplicativos de smartphones dominam o debate social e político. Novas formas de
democracia direta foram inventadas e o cidadão opina, diariamente, pelo
smartphone, com reconhecimento biométrico, sobre quem deve ganhar o programa de
culinária de maior audiência e sobre propostas legislativas de grande
importância, como a recente proposta de descriminalização do crime de estupro,
desde que consentido pelos pais.
Os julgamentos passaram a
ser transmitidos pela Internet. É possível acessar cada uma das salas dos
Tribunais em tempo real e checar o que se está decidindo, com a possibilidade
de opinar a cada um dos Juízes sobre o que deve ser decidido.
A Nova Suprema Corte
registrou semestre passado o primeiro caso em que houve direta participação
popular, com a possibilidade de consulta da Sociedade por meio de enquete
virtual, que passou a ter o valor de voto correspondente a dois dos cinco ministros. O julgamento resultou na absolvição de conhecido jogador de games
virtuais pelo assassinato de seus pais. As estatísticas de acesso revelaram ter
sido o site acessado por grande quantidade de jovens, fãs do citado réu.
Os julgamentos transmitidos
pela Internet, ao contrário do que poderia se presumir na década passada, duram
hoje muitas e muitas horas. Isso porque cada um dos Juízes explica,
didaticamente, à população em casa os motivos pelos quais decide dessa ou de outra
forma. Além disso, tendo sido extinta a vitaliciedade dos magistrados, há a
preocupação do Juiz em renovar seu mandato, o que lhe demanda a necessidade de
prestar contas à população sobre como decide. O decano da Corte tem fortes
ligações com o Partido dos Novos Pobres e detém a maior quantidade de
seguidores na rede social que reúne os fãs das transmissões de julgamentos.
Além disso, nas sessões
colegiadas, são constantes os episódios de agressões verbais entre os Juízes. A
assessoria de imprensa dos magistrados monitora a percepção do público e tais
informações subsidiam a postura a ser adotada por cada um, em busca de melhor
aceitação junto à opinião pública e, por consequência, reeleição para o cargo.
Os agentes públicos buscam,
incessantemente, promoção pessoal e se associam a membros da imprensa e a
detetives virtuais particulares para formar dossiês contra adversários
políticos.
A sociedade não deposita
confiança em qualquer das instituições, tampouco as pessoas depositam confiança
em qualquer outra pessoa. Tornaram-se populares os encontros nas piscinas de
hotéis, como forma de evitar a gravação de conversas entre os interlocutores.
As pessoas evitam fotos com grupos de pessoas, temendo constituir material que
possa ser usado no futuro em seu desfavor, nos tais dossiês difamadores.
O fenômeno não ocorre
somente em Babel. Outras nações convivem com problemas semelhantes e ainda
piores: pobreza generalizada, surtos coletivos de histeria, suicídios e quadros
depressivos são registrados por órgãos de saúde em patamares nunca vistos.
Outras nações, em crise há mais tempo, já adotam formas de governo já
esquecidas, geralmente com poder concentrado em uma ou algumas pessoas, ou
sucumbiram ao radicalismo religioso, sepultando a distinção entre Estado e
Religião.
Em 2027 nos encontramos no
limiar de um rompante social. A população protesta agressivamente nas ruas,
incendiando órgãos públicos e propriedade privada, sem qualquer mecanismo de
controle. As Forças Armadas e o aparato policial foram dissolvidos em
decorrência de consulta popular, que consideravam tais corporações violentas e
desnecessárias, tendo sido os recursos redirecionados para shows artísticos e o
entretenimento público. Há apenas os Conselhos Comunitários de Aconselhamento e
Prevenção de Infortúnios, para controle social, embora ostente funções
meramente pedagógicas. Não há ordem, somente o caos.
Distopia ou realidade?
Saberemos.
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