terça-feira, 7 de março de 2017

Impressões sobre o Tempo

Costumamos medir e sentir o tempo como o palco onde há um desenrolar sucessivo de eventos, que evoluem sequencialmente desde um ponto inicial, passando linearmente por pontos intermediários até um ponto final.
O tempo, na experiência cotidiana dos seres humanos, é constante e absoluto, isto é, é o mesmo para qualquer um, em qualquer lugar. Ainda que adotemos, por questões logísticas e de conveniência, referências diversas, como fusos horários ou horários de verão, o fato é que essas diferenças se dão dentro da mesma escala de tempo, que não difere nem para mim, nem para você, nem para ninguém.
Assim, segundo nossa limitada percepção sensorial, cada unidade de tempo parece ser igual, estejamos aqui ou do outro lado do mundo. Nesse sentido, ainda que no Japão seja noite enquanto no Ocidente é dia (portanto, horários diferentes), uma hora no Japão é exatamente o mesmo que uma hora aqui.
Com efeito, se eu comprasse dois relógios suíços, ajustasse os ponteiros de ambos na mesma hora, ficasse com um deles, e desse o outro a você, que estaria, hipoteticamente, partindo em viagem à China por uma semana, apostaríamos que, não havendo qualquer reajuste nos ponteiros dos relógios, ambos deveriam assinalar a mesma hora quando do fim da viagem (isso se, de fato, os relógios suíços são tão bons como se costuma dizer – alguns ressalvariam).
E acertaríamos nessa análise, já que a tal viagem hipotética foi realizada dentro do nosso planeta. De fato, segundo a atual compreensão científica, não há motivos para crer que se observaria diferença entre a hora apontada pelos ponteiros dos relógios nesse deslocamento na superfície da Terra. Certamente isso é até corriqueiro e confirmado por muitos viajantes.
Ocorre que os estudos científicos modernos desmentem essas impressões quando alteramos levemente as circunstâncias que envolvem o exemplo dado. Isso porque, segundo a Teoria da Relatividade, não existe um padrão único de tempo, como um pano de fundo imutável e absoluto onde acontecem todos os eventos do universo. Ao contrário: o tempo seria uma noção relativa, que varia de acordo com cada espectador. Para Einstein, o pai da Relatividade, cada personagem tem seu próprio tempo.
Dessa forma, esse mesmo exemplo do relógio teria resultado diverso se você viajasse, não para China, mas para distâncias maiores para fora do planeta, como, por exemplo, numa viagem interestelar ou para qualquer outro lugar consideravelmente mais distante do núcleo da Terra, desde que nós (que somos personagens do exemplo dado) estivéssemos sujeitos a diferentes patamares de força gravitacional ou nos deslocássemos em velocidades incrivelmente diversas.
Stephen Hawking, aquele famoso cientista que inspirou o filme biográfico “A Teoria de Tudo”, utiliza o Paradoxo dos Gêmeos para explicar esse fenômeno. Segundo ele, se dois gêmeos (obviamente de mesma idade) combinassem e implementassem a ideia de que um partiria numa viagem interestelar à velocidade próxima à da luz enquanto o outro permaneceria aguardando na Terra, o tempo passaria mais rápido para aquele que aqui permaneceu do que para o que deixou o planeta, de forma que o gêmeo viajante retornaria mais jovem do que seu irmão. Esse conceito é usado também no brilhante filme “Interestelar” (dirigido por Christopher Nolan), onde o astronauta interpretado por Matthew McConaughey volta de uma viagem intergaláctica por um buraco negro e ainda, jovem, se depara com sua filha idosa prostrada em uma cama.
Não aprofundarei a questão do porquê a noção de tempo é relativa e varia de espectador a espectador porquanto a questão é de alta complexidade e foge ao objeto do texto (tem a ver com a força gravitacional que a matéria exerce sobre a energia da luz e sua frequência – recomendo a leitura do livro “Uma Breve História do Tempo” para quem deseja aprofundar). O fato é que, ainda que possam parecer absurdas para nossa limitada compreensão, tais ideias vêm sendo confirmadas por cálculos matemáticos e já são implementadas na prática, sendo consideradas as tais diferenças de tempo entre espectadores nos nossos modernos sistemas de navegação.
A questão que ora trago para reflexão é que, embora não tenhamos, concretamente, diferença de tempo entre espectadores na Terra (relógios ajustados à mesma hora aqui sempre marcarão a mesma hora desde que permaneçam na superfície terrestre), já experimentamos, cotidianamente, percepções temporais diversas, a depender do espectador.
Ilustro essa ilação com um exemplo. Certo dia, minha mãe me contava que, em tom crítico e de repreensão, disse a seu neto (meu sobrinho, portanto) que ele teria que estudar muito para ser rico se quisesse comprar todas as coisas que deseja e pede diariamente. Ela me narrou, ainda, que ele, após refletir alguns segundos e tomado pela curiosidade, retrucou, perguntando se, caso estudasse muito, poderia ser rico ao completar seis anos de idade. O detalhe é que ele, hoje, tem cinco anos.
A constatação que tiro desse questionamento é a de que a percepção de tempo dele é diversa da minha e da de muitos de vocês e a de que um ano para ele é uma eternidade. E isso é muito razoável, considerando o espectador do caso. Ora, vejam se não faz sentido para quem tem cinco anos acreditar que um quinto de sua existência é um considerável espaço de tempo, suficiente, quem sabe, para que possa estudar, trabalhar e, em seguida, enriquecer. Considero uma hipótese plausível para uma criança.
Para nós, ao contrário, que já temos muitos verões nas costas e que passamos os dias ocupados com nossos afazeres, o período de um ano passa voando, sem que possamos sequer nos dar conta do quão rápido passou. Posso imaginar até que para os senhores de idade avançada o lapso de um ano deve representar ainda menos, sendo quase desprezível do ponto de vista cronológico.
O fato é que vejo aí diferenças gritantes e relatividade, não do tempo, mas da percepção que se tem sobre ele.
Esse fenômeno pode acontecer, ainda, sem que variemos o espectador. Nós mesmos temos diferentes impressões da passagem do tempo nas diferentes fases das nossas vidas. Fomos crianças como meu sobrinho e já tivemos dias de quarenta e duas horas. Hoje, e à medida que nos ocupamos de inúmeras atividades e envelhecemos, assistimos, impassivelmente, o tempo escorrer por nossas mãos numa velocidade absurda. Não sei vocês, mas quase não percebi a passagem do ano de 2016 e já o confundo com 2014 e 2015.
Outro exemplo de relatividade da percepção do tempo ocorre quando estamos sob o efeito da adrenalina. Todos que vivenciam situações de risco costumam dizer, depois de uma situação de pânico, que “tudo aconteceu tão rápido”. Eu, todavia, nunca concordava completamente com tais relatos porque sabia que a injeção de adrenalina acelera nossa percepção sensorial, fazendo com que raciocinemos mais rapidamente. Disso deduzia que o tempo deveria parecer transcorrer de forma mais lenta – e não o contrário.
Não obstante, diante da recorrência dos relatos, avaliei que devia haver algum razão subjacente para tal impressão e cheguei a uma conclusão provisória de que, provavelmente, o cérebro, nas situações de pânico, concentra seus esforços em escapar do risco de perecimento e não em registrar os acontecimentos, do que deve derivar a sensação de que o momento foi breve, quando, na verdade, apenas foi breve a lembrança do momento. (Interessante que tive essa ideia refletindo sobre os dias de ressaca, em que temos a impressão de que a noite foi curta, embora, na verdade, tenha sido longa e pouco registrada em nosso cérebro).
Outra derivação dessa relatividade da percepção do tempo foi nos dada por esse mesmo sobrinho quando questionado quantos anos minha mãe (um jovem senhora quinquagenária) estaria completando agora no final de janeiro. Ele, sem pestanejar, e sem se preocupar com sentimentos alheios, respondeu: “Vovó vai fazer cem anos”.
Enfim, são tantas as reflexões sobre o tempo que corremos o risco de flertar com a loucura quando imaginamos todos os desdobramentos possíveis a partir do que descobrimos sobre ele (e o Universo, de um modo geral) nas últimas centenas de anos. Quem diria que nós, seres humanos, sairíamos da escura e fria noite das selvas africanas, iluminados apenas pela luz das estrelas, para questionarmos, com pequeníssima, mas consistente base científica, o início e o fim do nosso tempo.
Findando (pois o assunto deixou de ser leve), eu não sei qual será a futura concepção científica sobre o tempo tampouco a percepção que esse meu sobrinho terá sobre esse mesmo tempo quando atingir a fase adulta, só desejo - e espero - que ele aprenda a medir as palavras até lá. 



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