Costumamos medir e sentir o tempo como o palco onde há um
desenrolar sucessivo de eventos, que evoluem sequencialmente desde um ponto
inicial, passando linearmente por pontos intermediários até um ponto final.
O tempo, na experiência cotidiana dos seres humanos, é constante e
absoluto, isto é, é o mesmo para qualquer um, em qualquer lugar. Ainda que
adotemos, por questões logísticas e de conveniência, referências diversas, como
fusos horários ou horários de verão, o fato é que essas diferenças se dão
dentro da mesma escala de tempo, que não difere nem para mim, nem para você,
nem para ninguém.
Assim, segundo nossa limitada percepção sensorial, cada unidade de
tempo parece ser igual, estejamos aqui ou do outro lado do mundo. Nesse
sentido, ainda que no Japão seja noite enquanto no Ocidente é dia (portanto,
horários diferentes), uma hora no Japão é exatamente o mesmo que uma hora aqui.
Com efeito, se eu comprasse dois relógios suíços, ajustasse os
ponteiros de ambos na mesma hora, ficasse com um deles, e desse o outro a você,
que estaria, hipoteticamente, partindo em viagem à China por uma semana,
apostaríamos que, não havendo qualquer reajuste nos ponteiros dos relógios,
ambos deveriam assinalar a mesma hora quando do fim da viagem (isso se, de
fato, os relógios suíços são tão bons como se costuma dizer – alguns
ressalvariam).
E acertaríamos nessa análise, já que a tal viagem hipotética foi
realizada dentro do nosso planeta. De fato, segundo a atual compreensão científica,
não há motivos para crer que se observaria diferença entre a hora apontada
pelos ponteiros dos relógios nesse deslocamento na superfície da Terra.
Certamente isso é até corriqueiro e confirmado por muitos viajantes.
Ocorre que os estudos científicos modernos desmentem essas
impressões quando alteramos levemente as circunstâncias que envolvem o exemplo
dado. Isso porque, segundo a Teoria da Relatividade, não existe um padrão único
de tempo, como um pano de fundo imutável e absoluto onde acontecem todos os
eventos do universo. Ao contrário: o tempo seria uma noção relativa, que varia
de acordo com cada espectador. Para Einstein, o pai da Relatividade, cada
personagem tem seu próprio tempo.
Dessa forma, esse mesmo exemplo do relógio teria resultado diverso
se você viajasse, não para China, mas para distâncias maiores para fora do
planeta, como, por exemplo, numa viagem interestelar ou para qualquer outro
lugar consideravelmente mais distante do núcleo da Terra, desde que nós (que
somos personagens do exemplo dado) estivéssemos sujeitos a diferentes patamares
de força gravitacional ou nos deslocássemos em velocidades incrivelmente
diversas.
Stephen Hawking, aquele famoso cientista que inspirou o filme
biográfico “A Teoria de Tudo”, utiliza o Paradoxo dos Gêmeos para explicar esse
fenômeno. Segundo ele, se dois gêmeos (obviamente de mesma idade) combinassem e
implementassem a ideia de que um partiria numa viagem interestelar à velocidade
próxima à da luz enquanto o outro permaneceria aguardando na Terra, o tempo
passaria mais rápido para aquele que aqui permaneceu do que para o que deixou o
planeta, de forma que o gêmeo viajante retornaria mais jovem do que seu irmão.
Esse conceito é usado também no brilhante filme “Interestelar” (dirigido por
Christopher Nolan), onde o astronauta interpretado por Matthew McConaughey
volta de uma viagem intergaláctica por um buraco negro e ainda, jovem, se
depara com sua filha idosa prostrada em uma cama.
Não aprofundarei a questão do porquê a noção de tempo é relativa e
varia de espectador a espectador porquanto a questão é de alta complexidade e
foge ao objeto do texto (tem a ver com a força gravitacional que a matéria
exerce sobre a energia da luz e sua frequência – recomendo a leitura do livro
“Uma Breve História do Tempo” para quem deseja aprofundar). O fato é que, ainda
que possam parecer absurdas para nossa limitada compreensão, tais ideias vêm
sendo confirmadas por cálculos matemáticos e já são implementadas na prática,
sendo consideradas as tais diferenças de tempo entre espectadores nos nossos
modernos sistemas de navegação.
A questão que ora trago para reflexão é que, embora não tenhamos,
concretamente, diferença de
tempo entre espectadores na Terra (relógios
ajustados à mesma hora aqui sempre marcarão a mesma hora desde que permaneçam
na superfície terrestre), já experimentamos, cotidianamente, percepções temporais diversas,
a depender do espectador.
Ilustro essa ilação com um exemplo. Certo dia, minha mãe me
contava que, em tom crítico e de repreensão, disse a seu neto (meu sobrinho,
portanto) que ele teria que estudar muito para ser rico se quisesse comprar
todas as coisas que deseja e pede diariamente. Ela me narrou, ainda, que ele,
após refletir alguns segundos e tomado pela curiosidade, retrucou, perguntando
se, caso estudasse muito, poderia ser rico ao completar seis anos de idade. O
detalhe é que ele, hoje, tem cinco anos.
A constatação que tiro desse questionamento é a de que a percepção
de tempo dele é diversa da minha e da de muitos de vocês e a de que um ano para
ele é uma eternidade. E isso é muito razoável, considerando o espectador do
caso. Ora, vejam se não faz sentido para quem tem cinco anos acreditar que um
quinto de sua existência é um considerável espaço de tempo, suficiente, quem
sabe, para que possa estudar, trabalhar e, em seguida, enriquecer. Considero
uma hipótese plausível para uma criança.
Para nós, ao contrário, que já temos muitos verões nas costas e
que passamos os dias ocupados com nossos afazeres, o período de um ano passa
voando, sem que possamos sequer nos dar conta do quão rápido passou. Posso
imaginar até que para os senhores de idade avançada o lapso de um ano deve
representar ainda menos, sendo quase desprezível do ponto de vista cronológico.
O fato é que vejo aí diferenças gritantes e relatividade, não do
tempo, mas da percepção que se tem sobre ele.
Esse fenômeno pode acontecer, ainda, sem que variemos o
espectador. Nós mesmos temos diferentes impressões da passagem do tempo nas
diferentes fases das nossas vidas. Fomos crianças como meu sobrinho e já
tivemos dias de quarenta e duas horas. Hoje, e à medida que nos ocupamos de
inúmeras atividades e envelhecemos, assistimos, impassivelmente, o tempo
escorrer por nossas mãos numa velocidade absurda. Não sei vocês, mas quase não
percebi a passagem do ano de 2016 e já o confundo com 2014 e 2015.
Outro exemplo de relatividade da percepção do tempo ocorre quando
estamos sob o efeito da adrenalina. Todos que vivenciam situações de risco
costumam dizer, depois de uma situação de pânico, que “tudo aconteceu tão
rápido”. Eu, todavia, nunca concordava completamente com tais relatos
porque sabia que a injeção de adrenalina acelera nossa percepção sensorial,
fazendo com que raciocinemos mais rapidamente. Disso deduzia que o tempo
deveria parecer transcorrer de forma mais lenta – e não o contrário.
Não obstante, diante da recorrência dos relatos, avaliei que devia
haver algum razão subjacente para tal impressão e cheguei a uma conclusão
provisória de que, provavelmente, o cérebro, nas situações de pânico, concentra
seus esforços em escapar do risco de perecimento e não em registrar os
acontecimentos, do que deve derivar a sensação de que o momento foi breve,
quando, na verdade, apenas foi breve a lembrança do momento. (Interessante que
tive essa ideia refletindo sobre os dias de ressaca, em que temos a impressão
de que a noite foi curta, embora, na verdade, tenha sido longa e pouco
registrada em nosso cérebro).
Outra derivação dessa relatividade da percepção do tempo foi nos
dada por esse mesmo sobrinho quando questionado quantos anos minha mãe (um
jovem senhora quinquagenária) estaria completando agora no final de janeiro.
Ele, sem pestanejar, e sem se preocupar com sentimentos alheios, respondeu: “Vovó
vai fazer cem anos”.
Enfim, são tantas as reflexões sobre o tempo que corremos o risco
de flertar com a loucura quando imaginamos todos os desdobramentos possíveis a
partir do que descobrimos sobre ele (e o Universo, de um modo geral) nas
últimas centenas de anos. Quem diria que nós, seres humanos, sairíamos da
escura e fria noite das selvas africanas, iluminados apenas pela luz das
estrelas, para questionarmos, com pequeníssima, mas consistente base
científica, o início e o fim do nosso tempo.
Findando (pois o assunto deixou de ser
leve), eu não sei qual será a futura concepção científica sobre o tempo
tampouco a percepção que esse meu sobrinho terá sobre esse mesmo tempo quando
atingir a fase adulta, só desejo - e espero - que ele aprenda a medir as
palavras até lá.
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