segunda-feira, 9 de julho de 2018

Recordações




A gravidade é uma das quatro forças fundamentais da natureza, em conjunto com o eletromagnetismo, a força fraca e a força forte. Ela não pode ser vista em concreto, mas é aferível cientificamente e facilmente demonstrada pelo peso que se pode observar nos objetos, que faz com que caiam ao chão caso sejam soltos.

Do ponto de vista cosmológico, a gravidade faz com que a matéria dispersa se aglutine, e que essa matéria aglutinada se mantenha intacta, permitindo dessa forma a existência de planetas, estrelas, galáxias e da maior parte dos objetos macroscópicos no universo.

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Há alguns anos perdemos nosso avô Hermillo.

Vez ou outra me ponho a pensar sobre ele.

Já faz alguns anos que não nos vemos, embora sempre estejamos o escutando, pelas histórias que contamos e relembramos de sua vida. Somos, eu e ele, inclusive, colegas de profissão, embora ele não tenha chegado a saber disso.

É uma pena que eu era relativamente jovem quando de sua partida. Certamente nos compreenderíamos melhor, agora que sou adulto e posso ver o mundo de maneira análoga a que ele certamente via. Tivesse ele partido mais tarde, poderia eu (e meus familiares) tê-lo apreendido melhor.

Era um homem de uma memória invejável, que recitava de cabeça um abrangente catálogo de textos e poemas. Tinha bastante interesse em ciência e fazia observações curiosas e percucientes sobre aspectos interessantes da existência humana.

Era um sujeito que seria visto como excêntrico, em comportamento e predileções, e que guardava um atrativo mistério sobre sua personalidade, talvez por ser, de certo modo, pouco previsível, inclusive no agudo senso de humor.

Seu fanatismo por recordações era incompreendido por mim quando criança. Ao longo da vida, ele preencheu inúmeras paredes com fotografias de antepassados e textos históricos. Esse costume se intensificou à medida que envelhecia. Confesso que, quando criança, temia aquelas fotos antigas em preto e branco de pessoas já falecidas. Os textos, ao tempo, pela sua complexidade, eram pouco representativos para mim, a não ser as mensagens mais simples, como o “É não se fazendo nada que se aprende a fazer o mal” estampado em cima da televisão, que já compreendia perfeitamente, como um desestímulo ao ócio.

Um outro desses textos, de autoria de Abraham Lincoln e escrito em papel com aspecto de pergaminho, foi, inclusive, xerocopiado por meu pai e dado a mim de presente em moldura, guarnecendo, hoje, uma das paredes do meu gabinete. Trata-se de importante lição de respeito à natureza livre do ser humano e de civismo.

Agora que, mais maduro, vejo a vida com olhos parecidos com os dele, vejo que sua sanha em documentar e expor aquilo que ele achava importante era sua maneira de deixar para seus descendentes e conhecidos suas impressões e sua forma de ver o mundo, coisa que, aliás, também gosto de fazer quando aqui escrevo.

A aposição das tais fotografias dos antepassados eram homenagens rendidas aos entes queridos, que além de compartilharem sangue, material genético e origem comuns, ajudaram a escrever nossa personalidade e nos tocam, constantemente, com lições sobre a vida e exemplos, bons e ruins, como é próprio do comportamento humano.

Os tais textos históricos são, hoje, melhor compreendidos a cada vez que os leio, quando perco o olhar sobre um deles, entre uma ida e outra à sala ou quando abro a geladeira e eles lá estão revestindo a parede, aguardando nova leitura.

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Percebo, hoje, que a influência por ele deixada não difere da influência da gravidade sobre os corpos celestes. Não pode ser vista, mas pode ser fortemente sentida e nos toca diariamente. Possui, também, o mesmo efeito aglutinador, mantendo junta a matéria de que somos formados, criando um conjunto finito e predominantemente coeso de corpos chamado família.



Um comentário:

  1. Fernando, excelente reflexão. Recordo-me das vezes que vi seu avô rescitar poesias e muito me impressionava tamanha capacidade de memorizar tantos textos densos. Certamente alegria imensa de onde não vemos mas cremos que existe sente o saudoso senhor.

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