quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Modernidades Interioranas




A globalização chegou, definitivamente, ao interior do Nordeste. E é com grande pesar que venho notando o desaparecimento de importantes símbolos nordestinos, como a indumentária do vaqueiro, os artigos em couro e o popular jegue como meio de transporte. (Recentemente, até a vaquejada está sob o risco de acabar).

Na verdade, o fenômeno é, em igual medida, compreensível e irrefreável e tenho ciência de que meu saudosismo é, simplesmente, inócuo. Afinal de contas, “é pra frente que se anda”.

Isso não me impede, todavia, de externar minhas elucubrações...

O fato é que os senhores de idade e trabalhadores rurais nordestinos foram irreversivelmente incorporados à atual sociedade de consumo e estão abandonando suas tradições. Hoje em dia, dificilmente, vê-se algum deles usando aquele conhecido chapéu ovalado de couro cru, típico dos vaqueiros, ou mesmo o regular chapéu de palha de agricultor. Tampouco é possível vê-los vestindo aquela tradicional camisa de linho branca ou as sandálias típicas. Até o fumo de rolo foi, em regra, sucedido pelos modernosos cigarros com filtro.

Tais artigos vêm sendo substituídos, creio eu, por conveniência e por economia. É que os tradicionais itens são, agora, provavelmente, “retrô” ou integram a categoria de coisas “gourmet”, embora não sejam, propriamente, comestíveis. Acredito que sejam, agora, cada vez mais difíceis de achar. Além disso, são de fabricação trabalhosa, o que redunda num custo mais elevado de produção, prejudicando sua capacidade de concorrência com as utilidades chinesas.

Enquanto isso os produtos asiáticos e/ou contrafeitos, de baixo custo, vem invadindo as cidades interioranas. No cálculo mental que venho fazendo, sem qualquer certeza matemática e reduzido grau de confiabilidade, avalio que cerca de 40% dos senhores que costumam cobrir suas cabeças o fazem usando bonés de marcas famosas ou de bandas de forró. É possível ver, hoje em dia, senhores de idade avançada usando bonés de aba reta “John John” ou os populares bonés que homenageiam bandas como “Aviões do Forró” e “Garota Safada”.

As camisas de linho, a seu turno, vem sendo substituídas por camisas de times de futebol com profunda identificação local, como o Barcelona ou o Arsenal, por camisas com jacarés desenhados ou de tecido sintético. O calçado, agora, é de solado de borracha, de provável origem estrangeira.

Os tradicionais meios de transporte também estão sendo abolidos. Os asininos e quadrúpedes análogos (jumentos, mulas), esses grandes brasileiros, segundo Luiz Gonzaga, vem sendo, paulatinamente, substituídos por motocicletas (devem ser asiáticas também) e passam por difíceis momentos na sua escalada evolutiva.

É que constituem bens semoventes de pouca procura no interior, sendo vendidos a preço de banana nas feiras, quase como um favor a quem vende, o que vem pondo em risco seu futuro nestas paragens. Ouvi até falar na exportação desses animais em navios para o público chinês. (Talvez uma forma de equalizar essa desvantajosa relação comercial, mas, ainda assim, um destino presumivelmente indesejado pelos animais).

As mocinhas abandonaram, definitivamente, o clássico vestido de chita. Agora vestem as universais roupas curtas, de tecido sintético, consagradas pela moda internacional, e usam, como adorno no pescoço, o fio dos fones de ouvido, acoplados ao telefone celular.

Os sotaques da atual geração também foram levemente modificados. A fala arrastada característica da região vem sendo preenchida com o “s” paulisssta e intercalada com o quase goianês das redondezas das satélites de Brasília, provável fruto de sucessivas gerações migratórias pelo “sul” do país. Há espaço, ainda, para neologismos e gírias, como o “ok” e o “beleza”.

No final das contas, acho que somente não mudou em nada a capacidade desse povo de fazer graça com acontecimentos cotidianos e o humor à flor da pele que caracteriza o sabido matuto nordestino. São de uma criatividade e espontaneidade merecedores de profundo estudo neurocientífico e proferem ditos capazes de desanuviar os mais pesados ambientes.

Enfrentando as mais adversas dificuldades, como a seca e o calor que assolam a região, encontram disposição para soltar as mais variadas pilhérias. Aliás, semana passada perguntei a um senhor qual a idade dele. Ele respondeu: “Dr., faça uma pergunta mais fácil. Eu sei que nasci em 1940, mas as contas eu deixo pro senhor que é estudado.

De fato, como disse Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Acrescento que, além disso, é bastante espirituoso.

FBX
















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