A globalização chegou,
definitivamente, ao interior do Nordeste. E é com grande pesar que venho
notando o desaparecimento de importantes símbolos nordestinos, como a
indumentária do vaqueiro, os artigos em couro e o popular jegue como meio de
transporte. (Recentemente, até a vaquejada está sob o risco de acabar).
Na verdade, o fenômeno é,
em igual medida, compreensível e irrefreável e tenho ciência de que meu saudosismo
é, simplesmente, inócuo. Afinal de contas, “é pra frente que se anda”.
Isso não me impede,
todavia, de externar minhas elucubrações...
O fato é que os senhores
de idade e trabalhadores rurais nordestinos foram irreversivelmente incorporados
à atual sociedade de consumo e estão abandonando suas tradições. Hoje em dia, dificilmente,
vê-se algum deles usando aquele conhecido chapéu ovalado de couro cru, típico
dos vaqueiros, ou mesmo o regular chapéu de palha de agricultor. Tampouco é
possível vê-los vestindo aquela tradicional camisa de linho branca ou as
sandálias típicas. Até o fumo de rolo foi, em regra, sucedido pelos modernosos
cigarros com filtro.
Tais artigos vêm sendo
substituídos, creio eu, por conveniência e por economia. É que os tradicionais itens
são, agora, provavelmente, “retrô” ou
integram a categoria de coisas “gourmet”,
embora não sejam, propriamente, comestíveis. Acredito que sejam, agora, cada
vez mais difíceis de achar. Além disso, são de fabricação trabalhosa, o que
redunda num custo mais elevado de produção, prejudicando sua capacidade de
concorrência com as utilidades chinesas.
Enquanto isso os produtos
asiáticos e/ou
contrafeitos, de baixo custo, vem invadindo as cidades interioranas. No cálculo
mental que venho fazendo, sem qualquer certeza matemática e reduzido grau de
confiabilidade, avalio que cerca de 40% dos senhores que costumam cobrir suas
cabeças o fazem usando bonés de marcas famosas ou de bandas de forró. É
possível ver, hoje em dia, senhores de idade avançada usando bonés de aba reta
“John John” ou os populares bonés que homenageiam bandas como “Aviões do Forró”
e “Garota Safada”.
As camisas de linho, a seu
turno, vem sendo substituídas por camisas de times de futebol com profunda
identificação local, como o Barcelona ou o Arsenal, por camisas com jacarés
desenhados ou de tecido sintético. O calçado, agora, é de solado de borracha,
de provável origem estrangeira.
Os tradicionais meios de
transporte também estão sendo abolidos. Os asininos e quadrúpedes análogos
(jumentos, mulas), esses grandes brasileiros, segundo Luiz Gonzaga, vem sendo,
paulatinamente, substituídos por motocicletas (devem ser asiáticas também) e
passam por difíceis momentos na sua escalada evolutiva.
É que constituem bens
semoventes de pouca procura no interior, sendo vendidos a preço de banana nas
feiras, quase como um favor a quem vende, o que vem pondo em risco seu futuro
nestas paragens. Ouvi até falar na exportação desses animais em navios para o
público chinês. (Talvez uma forma de equalizar essa desvantajosa relação
comercial, mas, ainda assim, um destino presumivelmente indesejado pelos
animais).
As mocinhas abandonaram,
definitivamente, o clássico vestido de chita. Agora vestem as universais roupas
curtas, de tecido sintético, consagradas pela moda internacional, e usam, como adorno
no pescoço, o fio dos fones de ouvido, acoplados ao telefone celular.
Os sotaques da atual
geração também foram levemente modificados. A fala arrastada característica da
região vem sendo preenchida com o “s” paulisssta e intercalada com o quase
goianês das redondezas das satélites de Brasília, provável fruto de sucessivas gerações
migratórias pelo “sul” do país. Há espaço, ainda, para neologismos e gírias,
como o “ok” e o “beleza”.
No final das contas, acho
que somente não mudou em nada a capacidade desse povo de fazer graça com
acontecimentos cotidianos e o humor à flor da pele que caracteriza o sabido
matuto nordestino. São de uma criatividade e espontaneidade merecedores de
profundo estudo neurocientífico e proferem ditos capazes de desanuviar os mais
pesados ambientes.
Enfrentando as mais
adversas dificuldades, como a seca e o calor que assolam a região, encontram
disposição para soltar as mais variadas pilhérias. Aliás, semana passada
perguntei a um senhor qual a idade dele. Ele respondeu: “Dr., faça uma pergunta mais fácil. Eu sei que nasci em 1940, mas as
contas eu deixo pro senhor que é estudado.”
De fato, como disse
Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes
de tudo, um forte”. Acrescento que, além disso, é bastante espirituoso.
FBX
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